ACIDENTES LAQUÉTICOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: ASPECTOS CLÍNICOS E ECOEPIDEMIOLÓGICOS

Lis Alves Ferrareis, Bruna de Sousa Silva, Romario Brunes Will, Patrick Dantas de Amorim, Ademir Nunes Ribeiro Júnior, Malu Godoy Torres Alves, Luiz Alberto Santana e Renato Neves Feio. Acidentes laquéticos na Amazônia brasileira: aspectos clínicos e ecoepidemiológicos. Revista Saúde Dinâmica, vol. 6, 2024. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga.


Recebido em: 12/12/2023 Aprovado em: 02/02/2024 Publicado em: 12/03/2024


SAÚDE DINÂMICA – Revista Científica Eletrônica FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA

16ª Edição 2024 | Ano VII - e062402 | ISSN – 2675-133X

DOI: 10.4322/2675-133X.2024.002

1º semestre de 2024


Acidentes laquéticos na Amazônia brasileira: aspectos clínicos e ecoepidemiológicos Lachetic accidents in the Brazilian Amazon: clinical and ecoepidemiological aspects


Lis Alves Ferrareis1, Bruna de Sousa Silva2, Romario Brunes Will3, Patrick Dantas de Amorim4, Ademir Nunes Ribeiro Júnior5, Malu Godoy Torres Alves6, Luiz Alberto Santana7, Renato Neves Feio8.

  1. Médica. Escola de Medicina, Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga (FADIP), Ponte Nova – MG. Brasil. ORCID: 0000-0001-8917-5402.

  2. Médica. Escola de Medicina, Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga (FADIP), Ponte Nova – MG. Brasil. ORCID: 0000-0002-5517-6375.

  3. Graduando em Medicina. Departamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa – MG. Brasil. ORCID: 0000-0001-6504-8927.

  4. Graduando em Enfermagem. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM) – ES. Brasil. ORCID: 0009-0007-4961-0140.

  5. Doutorando em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro – RJ. Brasil. ORCID: 0000-0003-1661-347x.

  6. Graduanda em Medicina. Escola de Medicina, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Teixeira de Freitas – BA. Brasil. ORCID: 0000-0001-6131-2751.

  7. Professor Adjunto do Departamento de Medicina e Enfermagem, Universidade Federal de Viçosa – MG. Brasil. ORCID: 0000-0002-6436-7958.

  8. Doutor em Zoologia. Museu de Zoologia João Moojen, Universidade Federal de Viçosa – MG. Brasil. ORCID: 0000-0002-3607-2896.

*Autor correspondente: lis_ferrareis@hotmail.com


RESUMO

Introdução: O ofidismo – sinônimo de acidentes ofídicos – compreende os quadros de empeçonhento decorrentes da picada de serpentes. Estes quadros estão divididos em quatro tipos básicos, no Brasil: os botrópicos, os crotálicos, os elapídicos e os laquéticos. Objetivo: O presente artigo tem como objetivo descrever e discutir os aspectos mais relevantes do envenenamento por Lachesis na Amazônia brasileira. Metodologia: Para o cumprimento do objetivo foi realizada uma revisão de literatura utilizando a estratégia de busca definida nas bases de dados Lilacs, Scielo e Pubmed. Essa busca permitiu a discussão dos seguintes temas:

(1) biologia das serpentes do gênero Lachesis, (2) ecologia e epidemiologia do acidente laquético, (3) patogênese, (4) história natural e apresentação clínica, (5) diagnóstico diferencial,

(6) avaliação laboratorial, (7) abordagem terapêutica e (8) profilaxia e controle. Resultados: O veneno laquético apresenta atividade proteolítica, hemorrágica e coagulante, sendo também relatada ação neurotóxica, com ocorrência de alterações clínicas relacionadas. As condutas devem ser adotadas com base nas informações obtidas por meio de anamnese completa, observação clínica detalhada e exames laboratoriais (principalmente tempo de coagulação). O soro antilaquético (ALS) ou soro antibotrópico-laquético (ABLS) deve ser administrado o mais precocemente possível, a fim de promover um impacto positivo na evolução clínica da vítima. Conclusão: Medidas preventivas devem ser adotadas para minimizar o risco de encontro entre Homo sapiens e Lachesis e, consequentemente, a ocorrência de envenenamento.


2

Palavras-chave: Amazônia; Lachesis; Patogênese, “Surucucu”.


ABSTRACT

Introduction: Ophidism – synonymous with snakebites – comprises envenomation cases resulting from snakebites. These cases are divided into four basic types in Brazil: bothropic, crotalic, elapidic, and laquetic. Objective: This article aims to describe and discuss the most relevant aspects of envenomation by Lachesis in the Brazilian Amazon. Methodology: To fulfill the objective, a literature review was conducted using the search strategy defined in the Lilacs, Scielo, and Pubmed databases. This search allowed the discussion of the following topics: (1) biology of snakes of the genus Lachesis, (2) ecology and epidemiology of laquetic accidents,

(3) pathogenesis, (4) natural history and clinical presentation, (5) differential diagnosis, (6) laboratory evaluation, (7) therapeutic approach, and (8) prophylaxis and control. Results: Laquetic venom presents proteolytic, hemorrhagic, and coagulant activity, with reported neurotoxic action and related clinical alterations. Conducts should be based on information obtained through complete anamnesis, detailed clinical observation, and laboratory tests (especially coagulation time). Antilaquetic serum (ALS) or antibothropic-laquetic serum (ABLS) should be administered as early as possible to promote a positive impact on the victim's clinical evolution. Conclusion: Preventive measures should be adopted to minimize the risk of encounters between Homo sapiens and Lachesis and, consequently, the occurrence of envenomation.


3

Keywords: Amazon; Lachesis; Pathogenesis; "Surucucu".

INTRODUÇÃO


Os acidentes ofídicos são um problema de saúde pública em países tropicais, tanto pela incidência quanto pela morbimortalidade ocasionada. O ofidismo – sinônimo de acidentes ofídicos – compreende os quadros de empeçonhento decorrentes da picada de serpentes (Pinho e Pereira, 2001; Silva e Pardal, 2018; Câmara et al., 2020). Estes quadros estão divididos em quatro tipos básicos, no Brasil: os botrópicos (acidentes com serpentes dos gêneros Bothrops e Bothrocophias; jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, comboia), os crotálicos (acidentes com serpentes do gênero Crotalus; cascavel); os elapídicos (acidentes com serpentes dos gêneros Micrurus e Leptomicrurus; coral-verdadeira) e os acidentes laquéticos (acidentes com serpentes do gênero Lachesis) (Bernarde e Gomes, 2012; Brasil, 2020; Hammer, Feio e Siqueira-Batista, 2022).

As serpentes peçonhentas de maior interesse em saúde pública, no território brasileiro, pertencem às Famílias Viperidae e Elapidae. O aparato inoculador de veneno desses animais é composto por um par de dentes frontais na mandíbula; de modo que a dentição pode ser classificada como solenóglifa ou proteróglifa, respectivamente (Melgarejo, 2003). Na família Viperidae estão descritas as serpentes do gênero Lachesis, causadoras de acidentes laquéticos. Esse gênero, exclusivo das matas tropicais úmidas do Novo Mundo, compreende, atualmente, quatro espécies: Lachesis melanocephala e Lachesis stenophrys presentes da América Central, Lachesis acrochorda encontrada também na Bolívia e Equador (América do Sul), e Lachesis muta, essencialmente em áreas florestais da Amazônia e Mata Atlântica, sendo a única espécie encontrada no Brasil (Silva et al., 2019; Siqueira-Batista et al., 2020).

4

Os animais da espécie Lachesis muta, descrita por Linnaeus em 1766, são popularmente denominadas surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga e malha-de-fogo; e pelos estadunidenses, são chamadas Bushmaster (senhor do mato) (Silva et al., 2019; Cunha e Nascimento, 2020). Com um comprimento total de mais de três metros, a surucucu é conhecida como a víbora mais longa das Américas (Brasil, 2020; Rosenthal et al., 2002; Pardal et al., 2007). As surucucus são ovíparas, terrestres, preferencialmente noturnas e se alimentam de mamíferos de pequeno porte (Martins e Oliveira, 1988).

Embora pouco notificados, os acidentes com animais do gênero Lachesis podem ser bem representativos em algumas regiões da Amazônia (Bernarde e Gomes, 2012), apesar dos poucos casos descritos na literatura. O habitat natural dos animais desse gênero de serpentes constitui áreas florestais, com uma densidade populacional humana baixa e sistema de notificação muitas vezes ineficiente, o que corrobora para a escassez de registros disponíveis sobre tais eventos (Cunha e Nascimento, 1978; Brasil, 2001).

Apesar da escassez de dados, é imprescindível que o médico seja capaz de reconhecer os aspectos clínicos dos empeçonhamentos pelas serpentes do gênero Lachesis, especialmente no que tange a Região Amazônica, e compreender a importância da indicação da conduta terapêutica específica de cada caso (Siqueira-Batista et al., 2007; Brasil, 2021), considerando a imprevisibilidade de ocorrência do acidente laquético. Por conseguinte, o objetivo deste estudo é revisar, a partir da produção científica nacional e internacional, os acidentes ofídicos causados por serpentes do gênero Lachesis na Amazônia brasileira.


MÉTODOS


A pesquisa bibliográfica foi conduzida por meio da definição da estratégia de busca e da seleção dos artigos, conforme descrito a seguir.


SELEÇÃO DE DESCRITORES

Os descritores utilizados foram consultados na plataforma DeCS (Descritores em Ciência da Saúde – https://decs.bvsalud.org/). Após a análise de distintas possibilidades, optou- se pelo uso dos seguintes unitermos (em inglês): “Amazonian Ecosystem”; “Lachesis muta”; “Snake Bites”; “Viper Venoms”; “Amazon”; “Amazon region” (Quadro 1).


ESTRATÉGIA DE PESQUISA

5

A busca dos artigos foi empreendida nas seguintes bases de dados eletrônicas: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs – www.lilacs.bvsalud.org), Scientific Eletronic Library Online (SCIELO – www.search.scielo.org) e U. S. National Library of Medicine (PUBMED –

www.pubmed.ncbi.nlm.nih.gov). Em um primeiro momento, foram buscados artigos originais, sem restrição de data, com a temática que relacionasse a ocorrência de acidentes por Lachesis na Amazônia brasileira.


Quadro 1. Estratégia de busca utilizada na revisão de literatura e os resultados encontrados nas bases de dados. “Amazonian Ecosystem”; “Lachesis muta”; “Snake Bites”; “Viper Venoms”; Amazon”; “Amazon region”.


Estratégia de busca (inglês)

LILACS

SciELO

PubMed

Amazonian Ecosystem” AND “Lachesis muta

1

0

0

Amazonian Ecosystem” AND “Snake Bites”

3

0

0

Amazonian Ecosystem” AND “Viper Venoms”

1

0

0

Lachesis muta” AND “Snake Bites”

30

4

23

Lachesis muta” AND “Viper venoms”

39

0

44

“Amazon” AND “Lachesis muta”

2

0

6

“Amazon” AND “Snake Bites”

16

0

60

“Amazon” AND “Viper Venoms”

5

0

5

“Amazon Region” AND “Lachesis muta”

1

0

3

“Amazon Region” AND “Snake Bites”

9

0

20

“Amazon Region” AND “Viper Venoms”

2

0

3

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).


CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO, SELEÇÃO DOS ARTIGOS E CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO/INCLUSÃO

A inclusão dos estudos baseou-se nos seguintes critérios: artigos contendo informações sobre (i) os aspectos ecoepidemiológicos e/ou (ii) os elementos clínicos dos acidentes por Lachesis. Nesse sentido, foram excluídos todos os manuscritos que abarcavam pelo menos um dos seguintes itens: textos com (a) foco em outros animais que não serpentes,

(b) temática voltada aos acidentes por outros gêneros de serpentes que não Lachesis; (c) acidentes ocorridos em áreas diferentes da Região Amazônica. O limite de data estabelecido foi 31/12/2020, sem restrição de idioma.


SELEÇÃO DOS ESTUDOS E EXTRAÇÃO DOS DADOS

Os artigos selecionados para o estudo foram sistematizados em três passos:

6

Passo 1: Os artigos identificados por busca eletrônica foram organizados e revisados para verificação de duplicatas, por três revisores independentes.

Passo 2: Três revisores independentes analisaram os títulos e os resumos dos artigos e desconsideraram aqueles que não estavam de acordo com os critérios de inclusão. Havendo insuficiência de dados, o resumo foi apreciado na etapa de avaliação seguinte.

Passo 3: Os textos completos dos artigos selecionados, até esta etapa, foram recuperados e revisados por três investigadores, que selecionaram os estudos que discutiram sobre os aspectos etiológicos, fisiopatológicos, clínicos, diagnósticos, terapêuticos, ecoepidemiológicos e/ou profiláticos do gênero Lachesis.

Definiu-se um protocolo para a extração de dados dos textos completos, o qual foi realizado por três revisores, e as divergências decididas por consenso entre eles. Foram extraídos e categorizados dos estudos, os seguintes dados: Autores, Data, Local, Objetivo, Métodos, Resultados e Conclusão.


RESULTADOS

O levantamento inicial de dados recuperou das plataformas de busca 273 artigos, dos quais: 109 no LILACS; 0 no Scielo, e 164 no Pubmed. Após a exclusão dos manuscritos, conforme os critérios apresentados, obteve-se um total de 27 artigos científicos. Capítulos de livro, referências citadas nos artigos selecionados e documentos oficiais do Ministério da Saúde do Brasil foram também consultados e complementaram a estratégia de busca realizada. Os textos foram lidos, fichados e as informações obtidas organizadas em tópicos – (1) biologia das serpentes do gênero Lachesis, (2) ecologia e epidemiologia do acidente laquético, (3) patogênese, (4) história natural e apresentação clínica, (5) diagnóstico diferencial, (6) avaliação laboratorial, (7) abordagem terapêutica e (8) profilaxia e controle (Quadro 2).


ASPECTOS BIOGEOGRÁFICOS

7

A única espécie reconhecida na Amazônia Brasileira, e em todo o território nacional, é a Lachesis muta (Fernandes, Franco e Fernandes, 2004) (Figura 1 e 2).

Quadro 2. Temáticas elencadas para a discussão do estudo.


TEMÁTICA DE DISCUSSÃO

ARTIGOS NORTEADORES

Biologia das serpentes

Ripa 2002; Rosenthal et al. 2002; Málaque 2003; Melgarejo

2003; Fernandes et al. 2004; Rodrigues et al. 2013.

Ecologia e epidemiologia

Cunha e Nascimento 1978; Haad 1981; Martins e Oliveira 1988; Carvalho Junior et al. 1994; Jorge et al. 1997; Siqueira- Batista et al. 2001; Melegarejo 2003; Argôlo 2003; Pardal et al. 2007; Bernarde e Gomes 2012; Câmara et al. 2020; Matos e

Ignotti 2020; Souza 2020.

Patogênese

Jorge et al. 1997; Pinho e Pereira 2001; Siqueira-Batista et al. 2001; Azevedo-Marques et al. 2003; Málaque 2003; Fernandes et al. 2004; Cordeiro et al. 2018; Wiezel et al. 2019; De-Simone

et al. 2021.

História natural e apresentação clínica

Amaral et al. 1991; Barravieira 1994; Pardal e Yuki 2000; Siqueira-Batista et al. 2001; Ripa 2002; Pardal e Dourado 2004;

Torres-Filho 2015; Wiezel et al. 2019.

Diagnóstico diferencial

Pinho e Pereira 2001; White 2017; Siqueira-Batista et al. 2020.

Avaliação laboratorial

Barravieira 1994; Siqueira-Batista et al. 2020.

Abordagem terapêutica

Pinho e Pereira 2001; Siqueira-Batista et al. 2001; Ripa 2002; Pardal e Dourado 2004; Siqueira-Batista et al. 2007;

Albuquerque et al. 2013; Das et al. 2015; White 2017; Grego et al. 2021; Muniz et al. 2021.

Profilaxia e controle

Gonçalves e Siqueira-Batista 2001; Pinho e Pereira 2001; Torres-Filho 2015; Silva e Pardal 2018; Silva et al. 2020;

Siqueira-Batista et al. 2020.

Fonte: Elaborado pelos autores (2024).


DISCUSSÃO

BIOLOGIA DAS SERPENTES DO GÊNERO Lachesis

Taxonomia

Quadro 3. Taxonomia do gênero Lachesis.


CATEGORIAS

ESPÉCIES

Reino

Animalia

Filo

Chordata

Classe

Reptilia

Ordem

Squamata

Família

Viperidae

Subfamília

Crotalinae

Gênero

Lachesis

Espécies

Lachesis acrochorda, Lachesis melanocephala, Lachesis muta, Lachesis stenophrys

Reproduzida de (fontes):

U.S. National Library of Medicine – NCBI Taxonomy Encyclopedia of life

Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil Disponível em:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/Taxonomy/Browser/wwwtax.cgi?mode=Info&id=8751&lvl=3&lin=f&keep=1&sr chmode=1&unloc

8

https://eol.org/pages/35430 http://fauna.jbrj.gov.br


Figura 1: Ilustrações de Lachesis muta




A

B

C

Figura 1. A – Visão geral do animal. B – Detalhe da cabeça. C – Detalhe da dentição. Preparado por Ademir Nunes Ribeiro Júnior.


Figura 2: Fotografias de Lachesis muta




A

B

C

Figura 2. A – Imagem de Renato Feio (UFV), gentilmente cedido. B – Imagem de Diego José Santana (UFMS), gentilmente cedido. C – Imagem de Henrique C. Costa (UFJF), gentilmente cedido.


Ecologia e epidemiologia do acidente laquético

9

As serpentes da espécie Lachesis muta vivem, exclusivamente, em áreas florestadas, de solo úmido, nas várzeas e proximidade de igarapés, refugiando-se em ocos de árvores e entre raízes salientes de árvores gigantes (Cunha e Nascimento, 2020). No sul e sudeste da Bahia foram encontradas em buracos de tatu, em manchas florestais remanescentes, em suas bordas, ou mesmo em cacauais contíguos a esses fragmentos (Fernandes et al., 2004; Argôlo, 2003). Apresentam hábitos terrestres e noturnos; se alimentam, exclusivamente, de mamíferos de pequeno e médio porte, como cuícas (Monodelphis), ratos de espinho (Proechimys), pacas (Dasyprocta) e esquilos (Sciurus) (Martins e Oliveira, 1988). O fato de serem encontradas em áreas florestais – geralmente com baixa densidade de ocupação humana e sistema de notificação

falho – tornam, relativamente, escassas as informações disponíveis sobre esses acidentes (Silva e Pardal, 2018; Souza, 2020).

O bote das surucucus pode alcançar 50% de seu comprimento total, e uma altura bem maior que aqueles desferidos por serpentes dos gêneros Bothrops ou Crotalus, representando um perigo relevante para os visitantes dessas matas e justificando serem, extremamente, temidas em suas áreas de ocorrência (Silva et al., 2019). Em cativeiro, foram observados comportamentos contrastantes em relação a sua movimentação, sendo calma e lenta rotineiramente, mas com surpreendente agilidade e velocidade de deslocamento no crepúsculo e no período de acasalamento (agosto) (Melgarejo, 2003; Matos e Ignotti, 2020).

No estado do Amazonas é onde se observam os maiores índices de morbidade, mortalidade e fatalidade devido aos acidentes laquéticos, especialmente pelas dificuldades inerentes ao acesso ao atendimento. Tais números podem ser ainda maiores na Amazônia brasileira. Essa situação pode ser explicada pelas atividades desenvolvidas na maioria dos municípios do estado do Amazonas que incluem o extrativismo vegetal e a agricultura. Além disso, a dificuldade de transporte do paciente pode resultar em uma aplicação tardia do soro antilaquético, interferindo no seu prognóstico (Silva e Pardal, 2001).

Desse modo, no Amazonas, a letalidade, de cerca de 1% associada aos acidentes ofídicos, é mais alta que a média nacional, de 0,4%. No Estado, o problema de subnotificação é agravado pelas grandes distâncias, percorridas apenas por via fluvial, com inúmeras localidades com perfil epidemiológico desconhecido. A ocorrência é pelo menos seis vezes maior do que apontam os dados de notificação (Silva e Pardal, 2001).

10

É importante que todo acidente ofídico seja notificado. Durante o período de 2014 a 2019 foram registrados 1.269.803 acidentes ofídicos no Brasil. No ano de 2019 foram notificados no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), 265.701 acidentes por serpentes. A região Norte registrou 21.008 casos de ofidismo sendo que, aproximadamente, 3% foram ocasionados por animais do gênero Lachesis. Dos 620 casos registrados na região Norte, o estado do Amazonas apresentou o maior percentual, com 51% dos casos, contabilizando 319 registros de acidentes ofídicos causados pela surucucu (Quadro 4). Ainda, segundo os dados do Ministério da Saúde, no ano de 2019, dois pacientes vieram a óbito pelo agravo notificado, 307 foram curados e os demais não preencheram o registro, constando como ignorado/branco.

Do total de acidentes laquéticos, no ano de 2019, 404 ocorreram na faixa etária entre 20 a 59 anos, sendo 60% entre 20 e 39 anos e 40% entre 40 e 59 anos. No estado do Amazonas, a faixa etária mais acometida por esse tipo de acidente foi entre 20 a 39 anos, a qual consiste na população economicamente ativa. Em relação ao sexo e a idade, dos 620 casos de acidentes laquéticos, em 2019, na Região Norte, mais de 497 casos foram notificados no sexo masculino, sendo 53,0% no estado do Amazonas.

Em 2019, apenas 64% dos casos notificados foram atendidos entre 0 e 6 horas após o acidente. É importante que a vítima seja cuidada de forma rápida, visto que a gravidade da condição mórbida, em geral, está relacionada com o tempo entre o empeçonhamento e a administração da soroterapia (Pinho e Pereira, 2001; Brasil, 2021).

Os acidentes laquéticos são classificados como moderados ou graves. Por serem serpentes de grande porte, a quantidade de peçonha injetada pelas surucucus é potencialmente muito grande. A gravidade é avaliada segundo os sinais locais e pela intensidade das manifestações sistêmicas (Brasil, 2001). O curso do tratamento para o empeçonhamento laquético é baseado na gravidade do acidente. Em conformidade com outros estudos encontrados na literatura, os dados de 2019 do SINAN apontam que mais de 50,0% dos casos apresentaram-se com gravidade moderada (Pardal et al., 2007; HAAD, 1980; Carvalho Júnior et al., 1994; Jorge et al., 1997).

Quadro 4. Número de acidentes laquéticos nos últimos dez anos, por estado, no Brasil.


Ano do acidente

RO

AC

AM

RR

PA

AP

TO

MA

MT

2010

23

105

335

37

374

38

5

15

45

2011

16

77

302

26

443

44

3

8

31

2012

16

77

315

40

319

36

5

5

22

2013

22

93

373

34

290

34

4

4

35

2014

26

102

334

29

201

43

1

15

17

2015

13

72

333

16

175

36

2

8

24

2016

7

35

239

22

129

24

-

3

19

2017

8

39

209

14

115

29

3

10

12

2018

9

35

254

23

124

33

2

11

8

2019

16

58

288

27

114

40

1

8

13

2020

7

36

236

21

88

15

2

11

10

2021

3

25

128

25

62

16

2

14

12

Total de acidentes

166

754

3.346

314

2.434

388

30

112

248

11

Fonte: Data-Sus (2020), acesso público.

Acidentes laquéticos têm ainda a capacidade de ocasionar amputações de membros, o que pode causar impacto significativo na capacidade de trabalho da pessoa acometida. De forma geral, a população campeira – em especial, os trabalhadores rurais – é costumeiramente atingida por ofidismo. Essa maior ocorrência se dá pelo fato de apresentar uma exposição mais frequente a esses animais e porque, grande parte das vezes, não possui (ou não usa) os mínimos recursos de segurança (Brasil, 2014).


PATOGÊNESE: OS EFEITOS DAS PEÇONHAS

A surucucu possui uma peçonha capaz de produzir significativas repercussões fisiopatológicas. Os principais aspectos da patogênese são decorrentes das atividades proteolítica, hemorrágica e coagulante do veneno. Ainda, é relatado uma ação neurotóxica; entretanto, até o momento deste estudo, não foi isolada a fração específica do veneno responsável por essa atividade (Siqueira-Batista et al., 2020).


Proteolítica

A atividade proteolítica se constitui em ação inflamatória aguda, responsável pelas alterações ocorridas no local da picada e nas proximidades (Brasil, 2014). O veneno laquético possui ação proteolítica, produzindo lesão tecidual. Essa ação também pode ser denominada como citotóxica. Os mecanismos que produzem destruição tecidual, provavelmente, são os mesmos do veneno botrópico, uma vez que a atividade proteolítica pode ser comprovada in vitro pela presença de proteases em ambos os casos (Pinho e Pereira, 2001; Brasil 2001; Azevedo-Marques, Cupo e Hering, 2003; Cordeiro et al., 2018; Wiezel et al., 2019).

12

As alterações locais – como edema, bolhas e necrose – atribuídas inicialmente à ação proteolítica, têm patogênese complexa. Possivelmente, decorrem da atividade de proteases, hialuronidases e fosfolipases, da liberação de mediadores da resposta inflamatória, da ação das hemorraginas sobre o endotélio vascular e da ação pró-coagulante do veneno. Em situações mais graves é observada a liberação de mediadores vasoativos – como a bradicinina – podendo desencadear quadros de choque (Pinho e Pereira, 2001; Fernandes, Franco e Fernandes, 2004; Azevedo-Marques, Cupo e Hering, 2003; Cordeiro et al., 2018).

Hemorrágica e Coagulante

Trabalhos experimentais demonstraram intensa atividade hemorrágica do veneno de Lachesis muta, com atividade “trombina-like” – ação coagulante –, causando afibrinogenemia e incoagulabilidade sanguínea (Azevedo-Marques, Cupo e Hering, 2003; De-Simone et al., 2021). A peçonha das espécies de Lachesis transforma o fibrinogênio em fibrina, formando microtrombos (pequenos coágulos). Com efeito, a ação coagulante deriva da fração do veneno do tipo trombina, que ocasiona distúrbios na crase sanguínea. Nestes pacientes, o sangue pode se apresentar incoagulável pelo consumo do fibrinogênio, cujos valores séricos baixos, ao lado das alterações do tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), confirmam a existência da atividade coagulante (Brasil, 2021; Azevedo-Marques, Cupo e Hering, 2003).

Os processos implicados nessa ação coagulante diferem do mecanismo da trombina, uma vez que não pode ser antagonizada através da administração de heparina. O fator X ativado leva a utilização das plaquetas e dos fatores V e VIII, podendo ter como consequência a coagulação intravascular disseminada e a deposição de microtrombos na parede dos vasos capilares, o que costuma originar a insuficiência renal aguda. Os locais mais comuns de sangramento são o trato gastrointestinal, o sistema nervoso central, as vias aéreas e a pele. No sistema nervoso o sangramento pode se manifestar como uma hemorragia intracraniana e possível desenvolvimento, em casos complicados, de acidente vascular encefálico (White, 2017).

Neurotóxica

É descrita uma ação do tipo estimulação vagal, porém ainda não foi caracterizada a fração específica do veneno responsável por essa atividade. São relatados: hipotensão arterial sistêmica, tonturas, escurecimento da visão, bradicardia, hiperssalivação, cólicas abdominais e diarreia (síndrome vagal) e, ainda, alterações de sensibilidade no local da picada, da gustação e da olfação (Pinho e Pereira, 2001; Siqueira-Batista et al., 2020; Brasil, 2001; Jorge et al., 1997).


HISTÓRIA NATURAL E APRESENTAÇÃO CLÍNICA

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O quadro clínico depende, em geral, do tipo de peçonha, considerando-se especialmente três aspectos: as ações tóxicas, a quantidade inoculada e a área corporal atingida.

O acidente causado pelos animais do gênero Lachesis tem repercussões clínicas muito similares àquelas observadas nos eventos produzidos pelas serpentes do gênero Bothrops. Isto se deve ao fato dos distúrbios locais – sinais inflamatórios de calor, edema, dor e rubor (com possibilidade, também, de evolução para necrose) – serem causadas por ação proteolítica, bastante similar àquela existente na peçonha botrópica, apresentando, portanto, consequências bem similares, as quais são potencialmente graves. Nos acidentes laquéticos os desfechos podem ser ainda mais críticos, devido, por exemplo, à grande quantidade de veneno inoculada, pois, em geral, os animais são de maior porte, quando comprados às serpentes do gênero Bothrops (Ripa, 2002). Além das ações proteolíticas, a peçonha possui atividade hemorrágica e neurotóxica, podendo ocasionar vômitos, dores abdominais, diarreia e bradicardia, provocados pelo distúrbio vagal, hipotensão arterial sistêmica e, em alguns casos, choque, achados que, uma vez presentes, auxiliam na diferenciação clínica dos acidentes provocados por Bothrops (Siqueira-Batista et al., 2020; Cordeiro et al., 2018; Ripa, 2002; Barravieira, 1994).

Nos acidentes laquéticos leves, a vítima geralmente apresenta discreto edema peri- picada, além de manifestações hemorrágicas leves ou ausentes. Nos quadros moderados, há edema evidente e hemorragias discretas, como gengivorragia e epistaxe. Nos casos leves e moderados, geralmente não há presença de manifestações vagais; diferentemente dos acidentes graves, o quais são caracterizados por edema intenso, manifestações sistêmicas, como hemorragia de grande monta, além dos distúrbios vagais (Pardal e Yuki, 2000).


Complicações

O paciente vítima de ofidismo laquético deve ser devidamente acompanhado, considerando o risco da ocorrência de possíveis complicações, como infecção secundária, ulcerações com necrose e síndrome compartimental, comentadas brevemente a seguir (Barravieira, 1994; Torres-Filho, 2015).

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A infecção secundária corresponde a um evento que pode sobrevir em até um quinto dos enfermos vitimados pelos gêneros Lachesis, Bothrops e Bothrocophias. As principais manifestações apresentadas pelo paciente, devido a esse quadro, são: febre, linfadenite regional e recrudescência de sinais inflamatórios locais, em um enfermo que já apresentava melhora de seu quadro. Entre os microrganismos mais relevantes para ocorrência dessa condição, pode-se

destacar as bactérias presentes na cavidade oral da serpente (geralmente patógenos Gram- negativos e anaeróbios) e aquelas da microbiota da pele do paciente (mais comumente Gram- positivas) (Torres-Filho, 2015).

Nesse contexto, dentre os patógenos de maior importância, pode-se citar: Morganella morgani, Enterobacter spp., Escherichia coli, Klebsiella spp., Providencia spp., Aeromonas hydrophila, anaeróbios e, menos comumente, Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis (Siqueira-Batista et al., 2020). É importante ressaltar que nesses casos pode ocorrer desenvolvimento de celulite local, a qual pode evoluir para formação de abcessos. Para a realização do tratamento, é muito importante o uso de antimicrobianos a partir da observação da bacterioscopia, pelo método de Gram, ou por cultura obtida em coleções fechadas. Porém, caso não seja possível a realização desses exames, pode-se realizar o tratamento empírico imediato, com amoxicilina associada a ácido clavulânico; ou clindamicina (ou oxacilina + penicilina cristalina) em associação com aminoglicosídeo ou quinolona. No entanto, os abcessos formados devem ser drenados e o material obtido deve ser examinado, para que a terapia antimicrobiana seja empregada de maneira adequada.

Para o tratamento das ulcerações com necrose, considerando a ação proteolítica do veneno, deve ser realizada a drenagem local, com posterior avaliação da necessidade de realização de enxertos (o parecer do cirurgião plástico, nessas oportunidades, poderá ser de grande valia).

Por fim, tem-se a síndrome compartimental, a qual é definida pela ocorrência de fenômenos compressivos vasculares causados pelo intenso edema muscular, e caracterizada por parestesia, dor contínua, hipoestesia, edema e enrijecimento da região acometida. Nesse quadro, é fundamental que a vítima seja diagnosticada de maneira minuciosa a partir de exames complementares, como o uso do doppler, atestando a diminuição do fluxo sanguíneo no local. No que se diz respeito ao tratamento, é indicada a realização de fasciotomia; de modo que se deve ficar atento a possível incoagulabilidade sanguínea do paciente, considerando a necessidade de cirurgia.


Diagnóstico diferencial

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Para a correta determinação do diagnóstico – com a exclusão de outras hipóteses – são fundamentais uma anamnese e avaliação clínica minuciosas. Após essa avaliação, será possível

determinar qual o melhor protocolo terapêutico e a soroterapia específica a ser administrada, a fim de garantir maior efetividade no tratamento e um melhor prognóstico ao paciente (Pinho e Pereira, 2001; Brasil, 2021). Em relação à rabdomiólise, outras entidades nosológicas também devem ser consideradas, como causas por compressão traumática e esforço não traumático (White, 2017).


AVALIAÇÃO LABORATORIAL

A determinação da serpente implicada no acidente ofídico poderá ser bastante útil, ainda que não seja essencial para a abordagem do caso. Sendo assim, a observação do quadro clínico é o aspecto de maior relevância em termos diagnósticos. Devido à similaridade dos quadros clínicos entre os acidentes ocasionados pelos gêneros Bothrops e Lachesis, pode haver confusão diagnóstica. No entanto, considerando a velocidade da ação das peçonhas, e o tempo requerido para obtenção dos resultados de exames laboratoriais, as decisões são tomadas com base em uma anamnese completa e na observação clínica detalhada; de modo que os exames laboratoriais solicitados são utilizados, especialmente, para o acompanhamento do paciente acometido (Siqueira-Batista et al., 2020; Gonçalves e Siqueira-Batista, 2001).


Tempo de coagulação

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O ensaio laboratorial mais utilizado e de maior importância no caso dos acidentes ofídicos é a determinação do tempo de coagulação (TCoag). É um teste amplamente utilizado, pois se trata de um exame simples, o qual pode ser executado mesmo em locais que não dispõem de laboratório. Essa análise é de grande relevância, devido à ação coagulante do veneno, além disso, ela também pode ser utilizada para a avaliação da eficácia da soroterapia ministrada para o paciente. A interpretação do TCoag deve basear-se no tempo normal de coagulação (menor ou igual a 10 minutos); de modo que, entre 10 e 30 minutos, o mesmo é classificado como prolongado e, acima de 30 minutos, a prova é caracterizada como incoagulável. Com o tratamento, espera-se que o tempo de coagulação se normalize em até 12 horas; caso isso não ocorra, outra dose de soro deverá ser administrada (Gonçalves e Siqueira-Batista, 2001; Siqueira-Batista et al., 2001).

Hemograma e VHS

O hemograma – juntamente com o TCoag – é útil para a abordagem do enfermo vitimado por empeçonhamento ofídico. Esse exame permite a identificação de uma possível leucocitose com desvio à esquerda e linfopenia relativa, que podem ser seguidas de plaquetopenia. Outro achado significativo é a velocidade de hemossedimentação (VHS) moderadamente aumentada nesses casos (Das, Sankar e Dev, 2015).

Avaliação bioquímica

No acidente ofídico pelo gênero Lachesis, a pesquisa de elementos anormais e avaliação do sedimento urinário (EAS) podem revelar, nos eventos mais graves, glicosúria, proteinúria, leucocitúria e hematúria. Pode sobrevir, igualmente, elevação de enzimas musculares – como a creatinofosfoquinase (CPK), aspartato-aminotransferase (AST) e desidrogenase lática (DHL) – costumeiramente não de modo tão importante quanto aquela encontrada nos acidentes crotálicos (Brasil, 2021; Barravieira, 1994).

Nos acidentes laquéticos, botrópicos e crotálicos é obrigatória a avaliação da função renal, a qual deve abranger a dosagem de escórias nitrogenadas, como ureia e creatinina, e a dosagem dos eletrólitos (cloro, potássio e sódio), com a finalidade de detectar precocemente distúrbios hidroeletrolíticos, e, assim, verificar a necessidade da terapêutica dialítica em casos de insuficiência renal aguda (Brasil, 2021; Barravieira, 1994).


ABORDAGEM TERAPÊUTICA

No próprio local do acidente é importante que algumas medidas sejam tomadas. Deve- se, inicialmente, retirar o paciente da área onde ocorreu o sinistro, a fim de evitar novos acidentes por serpentes. Além disso, é importante acalmá-lo, retirar os possíveis adereços da parte lesionada e garantir que ele fique o mais imóvel possível (White, 2017).

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O tratamento específico consiste na administração, mais precocemente possível, do soro antilaquético (SAL) ou antibotrópico-laquético (SABL) (Pinho e Pereira, 2001; Brasil, 2021; Grego et al., 2021). A quantidade de soro a ser aplicada se baseia no cálculo aproximado da quantidade de peçonha injetada pela serpente, a qual é estimada a partir da análise das manifestações clínicas apresentadas pelo enfermo (Torres-Filho, 2015; Siqueira-Batista et al., 2001; Das, Sankar e Dev, 2015). Com efeito, em casos moderados – quadro local presente, com

ou sem sangramentos, sem manifestações vagais – deve-se aplicar 10 ampolas do SABL. Enquanto nos casos graves – quadro local intenso, hemorragia intensa, com manifestações vagais – devem ser aplicadas 20 ampolas (Brasil, 2021).

A administração deverá ser feita em dose única, por via intravenosa, podendo ou não ser diluída em solução isotônica. O soro pode gerar reações adversas graves como, por exemplo, choque anafilático, o que torna necessário a disponibilidade de fármacos para reverter esses efeitos, além de material para assistência ventilatória e acesso a via venosa. Além disso, a epinefrina deve ser prontamente administrada, podendo ser necessário oxigênio suplementar e monitorização do estado cardiopulmonar em pacientes muito graves (De-Simone et al., 2021). O paciente deve permanecer, pelo menos 72 horas após a picada, internado em hospital para avaliação clínica e laboratorial (Pinho e Pereira, 2001). É fundamental, também, que o profissional de saúde mantenha o paciente em observação durante toda a administração da soroterapia (Siqueira-Batista et al., 2020). A avaliação do risco benefício relativa à administração do soro se torna imprescindível naqueles casos em que o paciente possui histórico de reações adversas graves ao uso do soro, de modo que sua aplicação deve ser discutida.

A peçonha laquética, conforme comentado, possui ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica, responsáveis por diferentes manifestações clínicas, desde locais a sistêmicas (Pinho e Pereira, 2001). Desse modo, dado o risco evidente de insuficiência renal aguda, a hidratação do paciente deve ser ampla e abundante. Para promover a redução do edema local deve-se, após a soroterapia, elevar o membro acometido pela picada. O uso de permanganato de potássio também é válido, devendo o fármaco ser diluído na proporção de 1:

40.000. Também é de grande importância avaliar se há indicação de terapia antimicrobiana em casos de infecção secundária. Caso o paciente apresente sinais de choque, deve-se estabelecer medidas para a falência circulatória e, em casos de insuficiência renal, o tratamento dialítico deve ser instituído (Siqueira-Batista et al., 2007).

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Para uma boa resposta ao tratamento, a soroterapia deve ser instituída o mais precocemente possível (Brasil, 2020). A eficácia do tratamento pode ser verificada a partir do exame do tempo de coagulação (TCoag) (Brasil, 2021; Muniz et al., 2021). Se, após 24 horas de aplicação de soroterapia, o sangue ainda continuar incoagulável por até 24 horas, uma nova dose capaz de neutralizar 150 mg de peçonha deve ser aplicada. Na maioria dos casos de

insuficiência renal aguda, causada por necrose tubular, se observa reversão completa do quadro, diferentemente da necrose cortical em que não se observa tal reversão (Barravieira, 1994; Albuquerque et al., 2013).


PROFILAXIA E CONTROLE

A fim de reduzir os acidentes ofídicos, é importante que alguns cuidados sejam adotados. Entre eles estão o aconselhamento para proteção de membros inferiores com botas ao se frequentar locais de grande incidência de empeçonhamento por serpentes; observação do ambiente ao caminhar em locais com possibilidade de encontrar ofídios; uso de luvas em atividades agrícolas; limpeza ao redor da residência; orientação quanto aos hábitos noturnos das serpentes e sempre evitar o manuseio desses animais (Pinho e Pereira, 2001; Torres-Filho, 2015; Gonçalves e Siqueira-Batista, 2001).


CONCLUSÃO

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A epidemiologia demonstra elevadas morbidade e letalidade por acidentes provocados por serpentes do gênero Lachesis na Região Amazônica, além de problemas relacionados à notificação e ao acesso ao atendimento em algumas localidades. Esses eventos mórbidos são caracterizados pela grande quantidade de veneno inoculado – o que produz, costumeiramente, marcante atividade proteolítica, hemorrágica e coagulante – com importantes repercussões clínicas. O paciente pode apresentar manifestações locais e/ou sistêmicas, podendo, em casos graves, desenvolver edema intenso, hemorragia de grande monta e distúrbios vagais. Por todas as questões citadas, é fundamental o reconhecimento dos aspectos clínicos dos empeçonhamentos por esses animais para que o tratamento correto, com soro antilaquético (SAL) ou antibotrópico-laquético (SABL), seja instituído o mais precocemente possível. O enfermo deve, ainda, ter seu quadro acompanhado para evitar possíveis complicações. Por fim, visando reduzir o número desses acidentes, é fundamental que medidas profiláticas sejam adotadas.

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Declaração de Interesse

Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse


Financiamento

Financiamento próprio

Colaboração entre autores

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O presente artigo foi escrito Lis Alves Ferrareis, Bruna de Sousa Silva, Romario Brunes Will, Patrick Dantas de Amorim, Ademir Nunes Ribeiro Júnior, Malu Godoy Torres Alves, Luiz Alberto Santana e Renato Neves Feio, projetado e concluído. Todos os autores se envolveram em todos os processos do estudo e construção do texto.