SOMBRAS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS NAS VÍTIMAS

Ana Paula da Silveira Nunes e Wendel Expedito Batista. Sombras da violência obstétrica: Repercussões psicológicas nas vítimas. Revista Ciência Dinâmica, vol. 15, 2024. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga.


Recebido em: 20/09/2023 Aprovado em: 02/01/2024 Publicado em: 13/03/2024


CIÊNCIA DINÂMICA – Revista Científica Eletrônica FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA

25ª Edição 2024 | Ano XV - e252401 | ISSN – 2176-6509

DOI: 10.4322/2176-6509.2024.001


1º semestre de 2024


SOMBRAS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS NAS VÍTIMAS

SHADOWS OF OBSTETRIC VIOLENCE: PSYCHOLOGICAL REPERCUSSIONS ON VICTIMS

Ana Paula da Silveira Nunes1, Wendel Expedito Batista2

1 Discente do Curso de Psicologia, Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, ORCID: https://orcid.org/0009-0008-6772-8756.

2Docente no Curso de Psicologia, Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9585-8584

*Autor correspondente: anapaulaguara98@gmail.com


Resumo: A literatura aponta o parto como um momento delicado que envolve diversos sentimentos, apresentando potencial destrutivo. Esse evento torna-se ainda mais sensível quando se observa a alta incidência da Violência Obstétrica – V.O, termo usado para abarcar os diversos tipos de agressão, seja: físico, verbal, moral ou psicológico vivenciados pela mulher no pré-natal, no parto, no pós-parto ou no puerpério. Com a escrita deste trabalho, buscou-se apontar as repercussões psicológicas observadas nas mulheres vítimas da V.O, forma de violência infimamente estudada pelo campo da Psicologia. Realizou-se uma revisão integrativa de literatura, em que foi possível observar 42 artigos dentro da temática. A partir da leitura dos títulos e resumos, selecionou-se 04 trabalhos, para posterior leitura e análise na íntegra. Os achados nas publicações selecionadas promoveram uma reflexão sobre o tema em questão, sendo evidente que mulheres que já sofreram um parto traumático são vulneráveis à ocorrência do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) no pós-parto e da depressão. Os achados revelam também a necessidade de capacitação dos profissionais atuantes no parto, para possibilitar uma experiência mais humanizada às parturientes.

Palavras- chave: Violência Obstétrica. Parto traumático. Violência no parto.


Abstract: The literature points to childbirth as a delicate moment that involves different feelings, presenting destructive potential. This event becomes even more sensitive when one observes the high incidence of Obstetric Violence – OV, a term used to encompass different types of aggression, whether physical, verbal, moral, or psychological, experienced by women during prenatal care, childbirth, postpartum, or puerperium. With the writing of this work, we sought to point out the psychological repercussions observed in women victims of OV, a form of violence rarely studied in the field of Psychology. An integrative literature review was carried out, in which it was possible to observe 42 articles within the theme. From reading the titles and abstracts, 04 works were selected for subsequent reading and analysis in full. The findings in the selected publications promoted reflection on the topic in question, and it is evident that women who have already suffered a traumatic birth are vulnerable to the occurrence of Post-Traumatic Stress Disorder (PTSD) in the postpartum period and depression. The findings also reveal the need for training professionals involved in childbirth to provide a more humanized experience for women in labor.

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Keywords: Obstetric Violence. Traumatic birth. Violence during childbirth.


INTRODUÇÃO


Segundo Peterson (1996), o ato de parir envolve inúmeras questões psicológicas, físicas, sociais, econômicas e culturais, sendo compreendido como um momento sensível que possui potencial para aflorar sentimentos como ansiedade, insegurança, medo, estresse, alegria e expectativa. Nesta perspectiva, os dados do estudo realizado por Donelli e Lopes (2013) evidenciam que o parto tem potencial desorganizador, sendo capaz de gerar sobrecarga emocional e desencadear um estado de vulnerabilidade psíquica nas mulheres.

Além de toda a sensibilidade que envolve o parto, existem ainda outras questões que podem contribuir para que esse evento seja complexo e traumático, uma delas é a violência obstétrica (V.O). Segundo Tesser et al. (2015), no contexto nacional, um quarto das mulheres indica ter sofrido intervenções que julgam desnecessárias, maus-tratos e negação de direitos básicos durante o momento em que pariu, como possibilidade de movimentação e alimentação, além da privação da presença de acompanhantes.

Nesse âmbito, a pesquisa “Nascer no Brasil”, da Fiocruz, que ouviu quase 24 mil mulheres entre 2011 e 2012, aponta que essa violência ocorre no setor público e privado. O estudo observou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofreram violência obstétrica e no Sistema Único de Saúde (SUS), 45%. Com base nos dados apresentados, é evidente que a violência obstétrica é uma preocupação significativa tanto em hospitais privados quanto no SUS. A disparidade nas taxas, com 45% no SUS e 30% em hospitais privados, destaca a necessidade urgente de abordar esse problema em ambas as instâncias.

A literatura acerca da V.O, maus tratos e desrespeitos durante o parto é demasiadamente reduzida. Tal percepção foi possível ao pesquisar os temas nas bases de dados bibliográficos, sendo obtido poucos resultados. Conforme aponta Leite et al. (2020), essa escassez de um referencial teórico que deixe explícito o quão prejudicial pode ser vivenciar um parto traumático é um empecilho ao estudo do assunto na atualidade, o que dificulta a elaboração de políticas públicas e estratégias para enfrentá-la. A escassez evidenciada evocou ainda mais o desejo por desenvolver a pesquisa.

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Apesar da bibliografia reduzida sobre o tema, diversos autores sugerem que as práticas violentas resultam em impactos na psique das mulheres, tendo em vista que as vivências de


situações desagradáveis durante o momento de parir podem resultar no surgimento de sintomas depressivos, traumas psicológicos, receio em ter uma outra gestação, disfunções sexuais, entre outros (SOARES et al., 2015). E conforme destaca Leite et al. (2020), faz-se necessário que ocorra um maior número de pesquisas científicas focadas em discutir a temática de desrespeito, abusos e maus tratos no ciclo gravídico puerperal, considerando que o conteúdo científico reduzido sobre a temática desencadeia uma falta de precisão na estimação da magnitude desses atos.

Tal contexto explicita a demanda de uma pesquisa aprofundada sobre quais são as repercussões psicológicas observadas em mulheres que sofrem a V.O. Nesse sentido, questiona- se: quais são as possíveis decorrências psicológicas em mulheres vítimas de violência obstétrica?


OBJETIVO


Com a escrita do presente trabalho tem-se por objetivo evidenciar as repercussões psicológicas observadas nas mulheres vítimas da V.O.


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


Campos et. al. (2020), colocam que a V.O é usada para denominar as diferentes manifestações de agressão, seja: físico, verbal, moral ou psicológico vivenciados pela mulher no pré-natal, no parto, no pós-parto ou no puerpério. As manifestações dessas diferentes ramificações da V.O se dão através das seguintes formas: negligência; discriminação social; violência verbal e/ou física; abuso sexual; intervenções e procedimentos médicos inadequados. O autor ressalta ainda que a V.O pode ser praticada por qualquer profissional que aja de maneira negligente, discriminatória e/ou violenta (seja física, verbal e/ou psicológica).

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Leite et al. (2020) destacam que algumas pesquisas sugerem que desrespeitos, abusos e violência obstétrica de modo geral podem estar associados a desfechos negativos na saúde de suas vítimas, como aumento da probabilidade de desenvolvimento de ansiedade, transtorno de Estresse-pós-traumático e depressão pós-parto, baixa utilização de serviços de saúde pela vítima e recém-nascido no período pós-parto e maior dificuldade na prática do aleitamento

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materno.

Nesse sentido, mulheres que vivenciaram o parto de maneira traumática podem enfrentar dificuldade em construir uma relação mãe-bebê (BLAINEY & SLADE, 2015). Nesse âmbito, Papalia (2013) traz que durante a primeira infância, é observado o apego mútuo entre mãe-bebê devido ao contato e conforto fornecido, apresentando efeitos duradouros sobre o desenvolvimento psicossocial e cognitivo da criança, merecendo então um enfoque especial ao considerar que esse não estabelecimento de vínculo pode afetar substancialmente o desenvolvimento infantil. Além disso, um número alto de estresse pós-traumático tem sido notificado, bem como outros efeitos na psique materna. (SIMPSON & CATLING, 2016).

A V.O, conforme visto anteriormente, constitui um problema comum nas maternidades brasileiras, entretanto ainda permanece sendo pouco investigada pela Psicologia, embora o campo da Psicologia Pré e Perinatal digam que o parto é decisivo em vários aspectos da vida e na saúde física e mental tanto do bebê como da mãe (LUZES, 2007), mostrando que ela é um desafio que precisa ser enfrentado.


METODOLOGIA


Visando desenvolver a pesquisa, realizou-se uma revisão integrativa de literatura, método que tem como finalidade reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada e abrangente, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado (ROMAN e FRIEDLANDER, 1998; ERCOLE, MELO, ALCOFORDA, 2014) a partir da base de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Scielo com a utilização dos descritores “violência obstétrica” and. ‘’psicológico’’, e “parto traumático”.

Como critério de inclusão, observou-se os seguintes aspectos: artigos disponíveis na íntegra, em português, que apresentaram discussão sobre os aspectos psicológicos da V.O nas mulheres que a sofreram. Como critérios de exclusão utilizou-se: artigos duplicados, que não abordassem o aspecto psicológico da V.O e que não considerasse a percepção da vítima.

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Ao utilizar os descritores “violência obstétrica” and. ‘’psicológico’’ na pesquisa da BVS, foram encontrados um total de 10 trabalhos e ao utilizar o descritor ‘’parto traumático’’, observou-se a publicação de 23 artigos. Na base de dados CAPES, apenas 2 artigos foram


encontrados ao aplicar os descritores “violência obstétrica” and. “psicológico’’ e 2 ao utilizar ‘’parto traumático’’. Ao realizar a pesquisa na base de dados Scielo, não foram encontradas produções bibliográficas a partir dos descritores “violência obstétrica” and. ‘’psicológico’’ e ao aplicar ‘’parto traumático’’, foram encontrados 5 artigos.

Após a avaliação dos 42 artigos a partir da leitura dos títulos e resumos, selecionou-se 04 trabalhos encontrados na BVS para realização de leitura na íntegra e discussão dos dados encontrados, sendo elaborado um quadro comparativo.


RESULTADOS E DISCUSSÕES


Os achados nas publicações selecionadas promoveram uma reflexão sobre o tema da

V.O. Abaixo consta o quadro comparativo construído para elaborar o presente trabalho.


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Tabela 1 – Caracterização das publicações incluídas na revisão integrativa segundo autores, ano, procedimento e resultados encontrados.

Título

Autores

Ano

Procedimento

Resultados

Parto traumático e transtorno de estresse pós-traumático: revisão da literatura

Carla Fonseca Zambaldi, Amaury Cantilino e Everton Botelho Sougey

2009

Buscou-se na PubMed e BIREME, com os termos "traumatic birth", "traumatic delivery", "postpartum posttraumatic stress disorder", "childbirth", "stress disorder". Avaliou-se estudos de 1994 a 2009.

Constatou-se que o TEPT relacionado com ao parto traumático apresenta prevalência de 1,3% a 5,9%. Observou-se também que mulheres que apresentaram sintomas dissociativos ou emoções negativas no parto, que tiveram eventos traumáticos prévios, depressão na gestação e que tiveram pouco suporte social e pouco apoio da equipe de saúde são vulneráveis para TEPT no pós- parto.


Complicações obstétricas, eventos estressantes, violência e depressão durante a gravidez em adolescentes atendidas em unidade básica de saúde

Priscila Krauss, Marcos Lovisi, Lúcia Abelha Lima e Letícia Fortes Legay

2010

Colheu-se dados de 120 gestantes adolescentes por meio do Composite International Diagnostic Interview (CIDI), Stressful Life Events e o Abuse Assessment Screen (AAS).

A prevalência de depressão gestacional foi de 14,2%. Como os principais fatores relacionados, constatou-se: história anterior de depressão, maus-tratos durante a vida, entre outros.


Percepções sobre violências obstétricas na ótica de puérperas

Mayra de Castro Oliveira, Magno Conceição das Merces

2017

Realizou-se entrevista semiestruturada com 10 gestantes.

As vítimas têm uma compreensão limitada sobre a violência obstétrica. Observou-se a importância da educação em Saúde.

Violência Obstétrica e Trauma no Parto: O Relato das Mães

Mariana Gouvêa de Matos, Andrea Seixas Magalhães e Terezinha Féres Carneiro

2021

Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa através de análise de relatos de partos disponíveis na internet. Realizou-se um estudo de caso coletivo.

O suporte do ambiente é um fator que contribui para a experiência de violência obstétrica.

Fonte: Elaborada pelos autores (2023).


A VIOLÊNCIA OBSERVADA NAS PUBLICAÇÕES


A pesquisa possibilitou a percepção de que a V.O se manifesta nas suas diversas formas, ainda que de maneira velada e mascarada pela naturalização ideológica do exercício do poder médico sobre o paciente. Dentre as manifestações em sua forma de violência física, é possível verificar, nos estudos realizados por Matos, Magalhães e Carneiro (2021) e Oliveira e Merces (2017) diversas afirmações de vítimas da V.O.

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Em um dos relatos das vítimas trazido por Matos, Magalhães e Carneiro (2021), a vítima cita houve uma tentativa por parte do profissional que conduzia o parto de introduzir a mão dentro da sua vagina, que ao comunicar o incômodo foi silenciada de forma violenta e desrespeitosa. A forma abrupta de tratar fisicamente a parturiente também foi relatada por uma participante do estudo de Oliveira e Merces (2017), que relatou que foi tratada com ‘’ignorância’’ devido a maneira que se direcionaram a ela e ainda, hora do toque houve um grande desconforto em decorrência da brutalidade.


Foi possível notar também que há uma dominação médica durante o parto, causando uma desigualdade na relação médico-paciente, que se “justifica” no saber técnico e científico dominado pelos profissionais. Dessa maneira, a parturiente torna-se submissa à equipe de saúde, impedindo o controle sobre o próprio corpo e a autonomia e o protagonismo da experiência de parir. Dentro desse aspecto, foi notório que diante da situação violenta, as vítimas cessam as falas frente à dor, de modo a se preservarem da violência institucional, considerando que há a presunção de que se a mulher permanecer em silêncio e estática, haverá uma melhor assistência, conforme apontado por Oliveira e Merces (2017). A seguinte fala explicita esta conjectura:

‘’ A partir daquele momento, senti como se eu já não estivesse mais lá. Senti um medo, um desespero tão grande, uma angústia, eu nunca me senti tão só quanto naquele dia. É como se eu tivesse entrado no automático, não questionava, não recusava, apenas fazia o que me falavam. (MATOS, MAGALHÃES E CARNEIRO, 2021).


Foi também possível observar a manifestação da V.O em sua forma verbal, conforme relatado por uma participante do estudo de Matos, Magalhães e Carneiro (2021). A profissional proferia comentários desagradáveis sobre o aspecto físico da barriga da parturiente, afirmando que estava demasiadamente pequena para o tempo de gestação em semanas, sugerindo desnutrição ao filho por irresponsabilidade da mãe.


AS DECORRÊNCIAS PSICOLÓGICAS EXPLICITADAS NAS PRODUÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Acerca dos aspectos psicológicos observados nas mulheres que sofreram a V.O, foi possível notar, principalmente, o Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) e a Depressão. O TEPT, de acordo com o CID-10 (1993), é desencadeado devido a um evento traumático e os sintomas típicos incluem a revivescência repetida do episódio traumático, retraimento com relação aos outros, evitação de atividades ou de situações que possam despertar a lembrança do trauma. Já a depressão, que possui diversas ramificações no CID-10 (1993), tem como a principal característica o humor deprimido (DALGALARRONDO, 2019).

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Zambaldi, Cantilino e Sougey (2009) descobriram em seus estudos que as mulheres que experimentaram um parto traumático têm uma maior probabilidade de desenvolver Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) após o parto. Isso também se aplica às mulheres que


tiveram um parto que não correspondeu às suas expectativas, perderam o controle durante o parto, foram submetidas a procedimentos obstétricos de emergência ou receberam pouca informação da equipe médica. Os autores observam que a manifestação de sintomas dissociativos durante o período periparto é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de TEPT após o parto.

As falas das participantes dos estudos analisados revelam sintomas dissociativos que podem ocorrer em resposta a um evento estressante, sendo eles: sensação de estar fora do próprio corpo, despersonalização, alteração na percepção do tempo, desrealização e redução da consciência do ambiente. Essas respostas emocionais negativas durante ou posteriormente ao evento traumático são preditores de TEPT (Zambaldi, Cantilino e Sougey, 2009). Além disso, os autores ressaltaram que as emoções como pânico, tristeza, vergonha e medo vivenciadas no periparto estão vinculadas à gravidade do TEPT no pós-parto.

Diversas falas presentes nos estudos analisados demonstram nitidamente a manifestação dos sintomas de evitação de atividades ou de situações que possam despertar a lembrança do traumatismo, assim como o retraimento com relação aos outros. Em uma delas, uma participante do estudo de Matos, Magalhães e Carneiro (2021), relata que após a vivenciar um parto traumático, teve a certeza de que não queria outro filho para que não fosse novamente submetida a uma condição de violência. A exposição abaixo de uma outra participante também explicita o sintoma de evitação:


“Eu levei um tempo até me sentir próxima da minha filha novamente. Tive depressão pós-parto, sofri muito nos primeiros meses, sentia uma angústia enorme ao lembrar de tudo e só conseguia chorar, me culpar, ficava tentando me convencer de que tinha sido uma boa experiência, às vezes me forçava a parecer feliz e satisfeita na frente dos outros…’’ (MATOS, MAGALHÃES E CARNEIRO, 2021).

Pereira, Lovisi e Legay (2010) encontraram que eventos estressantes são fatores associados à depressão manifestada no pós-parto (aqui considera-se o parto traumático e violento enquanto um evento estressante). Na fala anterior, é possível notar a manifestação desta condição psicológica.

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Já uma participante do estudo de Oliveira e Mercês (2017), ao descrever como se sentiu, demonstra como a vivência do parto foi negativa ao dizer que a todo momento sentia desconforto e medo imensurável de acontecer algo com ela ou com seu bebê: ‘’Medo, medo de acontecer alguma coisa porque o líquido tava secando, né, e diz que não pode secar. Tava


morrendo de medo, toda roxa...ai, a sala é esquisita demais, aquele friozão [...]’’ (OLIVEIRA E MERCES, 2017).

Apesar de haver a indicação na bibliografia de que há uma intrínseca correlação entre o desenvolvimento da depressão pós-parto e a V.O, os estudos consultados não aprofundaram nessa questão. Dessa maneira, a lacuna de desconhecimento acerca dos impactos da V.O na psique da mulher vítima de tal violência permanece, ainda que em alguma medida, no campo do desconhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Nesta pesquisa, objetivou-se analisar as repercussões psicológicas da V.O nas vítimas. Apesar de ter sido possível verificar que um parto violento pode emergir danos à psique da mulher, pouco se conhece acerca do tema em razão da escassez de produção científica e muito embora tenha sido observado que as vítimas de V.O comumente manifestam o TEPT e a depressão, os dados fornecidos são limitados. Dessa maneira, sugere-se que mais pesquisas que considerem a compreensão acerca da experiência das vítimas sejam feitas para evidenciar como o parto traumático pode ser prejudicial em diversos aspectos.

Ademais, é imperioso que o cuidado à parturiente seja humanizado, sendo indicado que os profissionais responsáveis pela assistência e suporte ao parto sejam capacitados a ter conhecimento acerca dos aspectos emocionais que permeiam o ato de parir. Assim, poderão ofertar um cuidado não-violento e capaz de compreender os processos complexos que transpassam esse evento, evitando possíveis danos posteriores.


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Declaração de Interesse

Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse.


Financiamento

Financiamento próprio.

Agradecimentos Colaboração entre autores

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O presente artigo foi escrito Ana Paula da Silveira Nunes e Wendel Expedito Batista Martins. Ambos os autores foram responsáveis pela redação da parte dissertativa do artigo.