O EFEITO DOS GASTOS PÚBLICOS NOS ÓBITOS POR DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS

Wallace Lobato Siqueira e Adriano Mendonça Souza. O efeito dos gastos públicos nos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis. Revista Ciência Dinâmica, vol. 14, núm.2, 2023. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga.


CIÊNCIA DINÂMICA – Revista Científica Eletrônica FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA

24ª Edição 2023 | Ano XIV – nº 2 | ISSN – 2176-6509

DOI: 10.4322/2176-6509.2023.009

2º semestre de 2023


O efeito dos gastos públicos nos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis

The effects of public spending on noncommunicable diseases deaths


Wallace Lobato Siqueira 1*, Adriano Mendonça Souza 2

1 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal de Viçosa (PPGEA/UFV)

2 Professor no Departamento de Estatística da Universidade Federal de Santa Maria (DE/UFSM.,

*Autor correspondente: wallace.siqueira@ufv.br


Resumo

Este estudo analisou a autocorrelação espacial dos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e os efeitos dos investimentos públicos em saúde e educação nessas enfermidades no Brasil entre 2013 e 2019. Para isso, utilizou-se dados do DataSUS e do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público (Siconfi), empregando análise exploratória de dados espaciais e regressão de um painel de dados espaciais. Os resultados destacam uma relação positiva entre gastos públicos em saúde/educação e a mortalidade por DCNT. Também foi identificada autocorrelação espacial, indicando que óbitos por DCNT em um município podem influenciar as taxas em cidades vizinhas. Esse efeito enfatiza a importância de considerar interações espaciais na elaboração de políticas de saúde.

Palavras-chave: DCNT, Gastos Públicos em Saúde e Educação, Análise Exploratória de Dados Espaciais, Dados em Painel Espacial.


Abstract

This study aimed to analyse the spatial autocorrelation of deaths caused by noncommunicable diseases (NCDs) and the impact of public spending on health and education in addressing these conditions in Brazil from 2013 to 2019. To achieve this objective, data from the Department of Informatics of the Brazilian National Health System and the Brazilian Public Sector Accounting and Tax Information System were utilized. The study employed exploratory spatial data analysis (ESDA) and spatial panel data regression. The results revealed a positive relationship between public spending in health and education and the mortality rates of NCDs. Additionally, spatial autocorrelation was identified, suggesting that NCD-related deaths in one municipality can influence rates in neighboring cities. This finding emphasizes the significance of considering spatial interactions in the formulation of health policies.

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Keywords: NCDs, Public Spending in Health and Education, ESDA, Spatial Panel Data.


INTRODUÇÃO


A relação entre saúde e economia é indissociável, uma vez que a saúde impacta diretamente a produtividade dos indivíduos, o absenteísmo no trabalho e os gastos públicos. Além disso, a alimentação saudável e a prática regular de exercícios físicos desempenham um papel fundamental na promoção de uma melhor qualidade de vida (CUNHA; HECKMAN; SCHENNACH, 2010). No Brasil, diversas iniciativas de cuidado alimentar foram implementadas em diferentes esferas governamentais, abrangendo desde o cuidado com a alimentação pré e pós-natal até ações voltadas para a população escolar, trabalhadores e idosos. Nesse contexto, também foi criado o Programa Saúde da Família, com o objetivo de prevenir e monitorar doenças (SANTOS et al. 2015).

Ainda assim, 54.7% dos óbitos ocorridos em 2019 no Brasil foram por causas evitáveis, na população entre 30 e 69 anos de idade, provocado por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), relacionadas à má alimentação – principalmente pelo consumo de produtos hipercalóricos e ultraprocessados, tabagismo, ingestão excessiva de álcool e sedentarismo (WHO, 2022).

As DCNT constituem o grupo de doenças com maior incidência no mundo. Em 2019, 74% dos óbitos registrados no planeta foram desse grupo, enquanto no Brasil esse resultado foi de 76%. Os grupos mais vulneráveis da sociedade são os mais afetados por esse problema, pois possuem baixo acesso à renda e à escolaridade, além de maior exposição aos fatores de risco, como problemas de acesso à informação e/ou aos serviços de saúde (BAKER et al. 2020; WHO, 2022).

Malta et al. (2017) verificaram que os portadores de alguma DCNT utilizaram duas vezes mais o Sistema Único de Saúde (SUS) do que os que não têm a doença. Baker et al. (2020) apontaram que houve alta expansão do consumo de alimentos ultraprocessados em países desenvolvidos, afetando especialmente a população pobre e urbana. Enquanto, Becker e Siqueira (2022) identificaram que a regulação de restrição do comércio de alimentos hipercalóricos e com baixo teor nutritivo nas cantinas escolares evitou uma morte a cada 100 mil habitantes na faixa etária entre 5 e 14 anos e duas entre 15 e 19 anos.

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Nesse contexto, este estudo tem como objetivo analisar os efeitos dos gastos públicos em saúde e educação na incidência dos óbitos por causas evitáveis. Para isso, utilizou-se a metodologia de análise exploratória de dados espaciais (AEDE) e a estimação de um painel de


dados espaciais por efeitos fixos com os dados do DataSUS – sendo do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), bem como do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no período entre 2013 e 2019.

Este estudo é justificado pela relevância de compreender como os gastos públicos podem influenciar a mortalidade por causas evitáveis, proporcionando informações valiosas para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Isso permitirá a alocação estratégica de recursos, fornecendo evidências importantes para fundamentar decisões dos policymakers e direcionar investimentos para regiões e áreas prioritárias. Pois, a promoção da saúde consiste em prevenir e controlar DCNT e enfrentar os desafios relacionados à saúde pública, buscando a melhoria contínua do bem-estar da sociedade brasileira.

Este estudo encontra-se estruturado em cinco seções, sendo o primeiro composto por esta introdução; a seção 2 contempla o referencial empírico; na seção 3, aborda-se a os métodos adotados; na seção 4 realiza-se a apresentação e a análise dos resultados obtidos; e por fim na quinta seção, tem-se a conclusão a respeito dos resultados obtidos.


REFERENCIAL EMPÍRICO


A promoção da qualidade de vida e a prevenção de DCNT têm sido uma preocupação central do Ministério da Saúde (MS), que tem adotado medidas para cuidar da população. Dentre essas medidas, destaca-se a criação de leis voltadas para a qualidade nutricional da alimentação escolar e a elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014), que oferece orientações sobre a escolha de alimentos e combinações para a absorção eficiente de nutrientes.

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Becker e Siqueira (2022) realizaram uma análise do impacto das regulações estaduais sobre alimentos hipercalóricos e açucarados nas mortes por DCNT no Brasil, entre 2003 e 2018, na população em idade escolar, utilizando o método de diferenças em diferenças. Os resultados indicam que a restrição de venda desses alimentos nas cantinas escolares contribuiu para a redução de um óbito na faixa etária de 5-14 anos e dois na de 15-19 anos a cada 100 mil habitantes. Esses resultados, mesmo modestos, são significativos e relevantes, dado que os efeitos das políticas de saúde tendem a ser de longo prazo.


Malta et al. (2016) detalharam as ações do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT até 2015 no Brasil. O plano buscou reduzir a incidência de doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias crônicas e diabetes até 2022, por meio de políticas que incluíram restrições a alimentos hipercalóricos, incentivos ao consumo de produtos in natura e acordos com empresas alimentícias para redução de sal. Apesar dessas ações, houve um aumento na prevalência de sobrepeso, obesidade e diabetes no país neste período, ressaltando a complexidade da problemática.

Em 2017, outro estudo destacou a relação entre as DCNT e o acesso aos serviços de saúde no Brasil. Utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, a análise demonstrou que indivíduos portadores de DCNT buscaram os serviços de saúde com o dobro da frequência daqueles que não apresentavam tais agravos, principalmente entre aqueles com níveis educacionais mais baixos (MALTA et al. 2017). Malta et al. (2017) enfatizam a importância de implementar políticas inclusivas e de oferecer atendimento diferenciado às populações mais vulneráveis.

Ao analisar a tendência de mortalidade por DCNT entre 2000 e 2013, Malta et al. (2019) evidenciaram uma redução na taxa média de mortalidade prematura em 2.5% ao ano. Essa diminuição é um passo em direção ao cumprimento das metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas para redução de mortes prematuras, ressaltando a relevância das políticas de saúde no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ainda assim, no período, 72.6% das mortes registradas em 2013 foram atribuídas a causas evitáveis, ou seja, por alguma DCNT, sendo dessas: 29.7% por doenças cardiovasculares, neoplasias 16.8%, 5.9% doenças respiratórias crônicas e diabetes 5.1%.

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Pereira et al. (2017) investigaram fatores de risco para DCNT entre adolescentes de uma amostra de alunos de 10 a 17 anos contidos no programa Saúde e Prevenção na Escola do município de Imperatriz - MA entre 2014 e 2015, por meio de questionários e avaliação antropométrica empregando a estatística de Qui-quadrado (χ²). Os resultados apontaram que dos alunos amostrados 64% consumiam guloseimas, 47% refrigerantes e 28-51% alimentos hipercalóricos. Também se observou que cerca de 27% dos estudantes não praticavam exercícios físicos, 13% foram identificados com sobrepeso ou obesidade e 9% com desnutrição. Cabe ressaltar que a má alimentação e o sedentarismo são associados ao sobrepeso, obesidade e desnutrição, destacando a necessidade de intervenções voltadas para essa faixa etária.


Analisando o ambiente alimentar das escolas em 124 municípios brasileiros, utilizando o Estudo Nacional de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) entre 2013 e 2014 por meio da estatística χ², Carmo et al. (2018) relataram que: apenas 8% das escolas particulares ofereciam merenda escolar, enquanto na rede pública à oferta é universalizada (98.15%); observou-se que 35.7% das escolas públicas ofertavam doces e refrigerantes (34.9%) e alimentos fritos (40.6%), enquanto nas escolas particulares foram 79.7%, 75.2% e 93.2%, respectivamente. Constatou-se, ainda, que 25% da amostra de escolas particulares havia propagandas de alimentos hipercalóricos, o que é proibido por lei. Essa constatação evidencia a importância de políticas mais rigorosas e fiscalização para promover um ambiente escolar mais saudável e combater o ambiente obesogênico.

Esses resultados também apontam para um ambiente com maior propensão a incidência de DCNT na vida adulta. Pois as preferências e hábitos alimentares são adquiridos durante a primeira infância e são ratificados durante a vida sob os fatores genéticos, culturais, ambientais e emocionais, consolidando-se a partir da oferta e disponibilidade de alimentos (FISCHER, 2018, CUNHA; HECKMAN; SCHENNACH, 2010). Logo, evoca-se a importância de políticas de segurança alimentar e saúde preventiva, pois podem promover qualidade de vida saudável desde os primeiros anos.

Baker et al. (2020) analisaram a transição nutricional e o consumo de alimentos ultraprocessados nas cinco regiões do mundo. Os autores identificaram um expressivo aumento no consumo de alimentos ultraprocessados em países desenvolvidos e de renda média, sobretudo entre a população pobre e urbana. É notório que a regulamentação dessa transição foi escassa e, quando implementada, encontrou resistência por parte da indústria alimentícia, prejudicando assim a efetividade dos esforços na promoção de um padrão de consumo mais consciente. Além disso, observou-se uma correlação direta entre a comercialização desses alimentos e a prevalência de DCNT.

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Camargos et al. (2019) analisaram a expectativa de vida livre de incapacidade funcional nas regiões do Brasil em dois períodos, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1998 e da PNS de 2013, empregando o método de Sullivan. Os resultados revelaram um aumento significativo na expectativa de vida da população brasileira, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, onde os indivíduos vivem mais anos e com saúde por período maior que a média. No entanto, esses avanços não foram igualmente expressivos nas


regiões Norte e Centro-Oeste.

Assunção e França (2020) se dedicaram a investigar os fatores ocupacionais que exercem maior impacto nas DCNT no contexto brasileiro, utilizando dados do Global Burden of Disease (GBD) entre os anos de 1990 e 2016, por meio de análises descritivas. Os resultados evidenciaram que tanto na faixa etária de 15 a 49 anos quanto na faixa de 50 a 69 anos, a hipertensão arterial, o colesterol elevado, a hiperglicemia e a insuficiente ingestão de fibras, frutas e vegetais emergiram como principais causas associadas à incapacidade, aposentadoria precoce e óbitos prematuros no Brasil.

Finaret e Masters (2019) realizaram uma revisão teórica e empírica sobre os impactos das políticas alimentares em diversos países, focando a intersecção entre economia e nutrição. As conclusões enfatizaram a eficácia de programas e iniciativas governamentais na promoção da saúde da população. Adicionalmente, o estudo destacou que a alimentação inadequada não somente prejudica o crescimento infantil, mas também compromete o desenvolvimento cognitivo e o potencial de capital humano. É relevante ressaltar que a disponibilidade de alimentos saudáveis exerce uma influência tão importante quanto o aumento da renda, uma vez que a melhoria da qualidade alimentar afeta diretamente as condições de saúde.

Li et al. (2006) investigaram o risco de doenças cardiovasculares em relação aos níveis de Índice de Massa Corporal (IMC) e à relação cintura-quadril (RCQ) na população de 45 a 73 anos em Malmö, Suécia, utilizando métodos estatísticos de regressão linear, regressão logística e análise multivariada com dados do Malmö Diet and Cancer. Os resultados apontaram que os níveis elevados de IMC e RCQ são preditores significativos do risco de doenças cardiovasculares, particularmente no caso das mulheres, estando associados a uma maior prevalência de hipertensão e diabetes.

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Silva, Souza e Balbinotto Neto (2017) examinaram a relação entre obesidade e rendimentos do trabalho por gênero no Brasil, empregando dados da PNS de 2013. Por meio de regressões quantílicas e do método de pareamento, identificaram uma associação positiva e significativa entre o peso corporal e os salários dos homens. No entanto, ao considerar o pareamento de indivíduos com características semelhantes, exceto pelo grau de obesidade, os resultados demonstraram um impacto negativo e significativo nos salários tanto para homens quanto para mulheres obesos. Isso ressalta que a obesidade não apenas aumenta o risco de DCNT, mas também pode impactar adversamente os rendimentos do trabalho.


Everson et al. (2002) evidenciaram a relação entre o nível socioeconômico e seu efeito na depressão, DCNT e obesidade nos Estados Unidos da América. Os autores constataram que os efeitos dessa relação são mais acentuados nas camadas socioeconômicas mais baixas, particularmente entre os jovens, persistindo ao longo da vida. Vale salientar que essa desvantagem econômica é acumulativa e torna os indivíduos mais suscetíveis a problemas de saúde futuros.

Rosenberger et al. (2005) estimaram as relações entre os custos de saúde, sedentarismo e obesidade em West Virginia (Estados Unidos da América), utilizando regressão espacial com dados de 55 cidades. Os resultados indicaram uma correlação positiva entre os gastos com saúde e a presença de centros de tratamento cardíaco, assim como com a população acima de 65 anos. Por outro lado, observou-se uma correlação negativa com a proximidade com outros estados, o que pode ter facilitado o acesso ao sistema de saúde nas regiões vizinhas. O sedentarismo apresentou correlação negativa com o nível educacional das pessoas com mais de 25 anos e com a disponibilidade de parques públicos. A obesidade foi associada positivamente ao sedentarismo. Todos os modelos apresentaram um efeito de spillover positivo e significativo, indicando que as variações nos gastos de saúde, sedentarismo e obesidade em uma cidade afetam essas mesmas variáveis nas cidades vizinhas, além de um impacto direto na própria cidade. Esse fenômeno pode contribuir para explicar a epidemia global da obesidade.

Com base nesta seção, fica evidente que a alimentação inadequada e o sedentarismo são fatores críticos que impactam diretamente a probabilidade de desenvolver uma ou mais DCNT ao longo da vida, afetando desde o desenvolvimento cognitivo até os rendimentos do trabalho, além de estar associado a aposentadorias precoces e óbitos prematuros. A próxima seção discutirá a metodologia adotada e os dados utilizados nesta pesquisa.


METODOLOGIA


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Nesta seção, são apresentadas as principais abordagens metodológicas que orientam este estudo, abrangendo a análise exploratória de dados espaciais, o método de dados em painel espacial, os testes empregados e a base de dados utilizada.


Análise Exploratória de dados Espaciais


A análise exploratória de dados espaciais (AEDE) é a abordagem metodológica utilizada para examinar como a autocorrelação espacial interage com a base de dados e informações (ALMEIDA, 2012). No contexto deste estudo, a AEDE é empregada para investigar como a incidência de óbitos por DCNT afetam tanto a região à qual o município pertence, quanto são afetados pelas cidades próximas. Para isso, dois conceitos fundamentais são necessários: matrizes de pesos espaciais e os métodos de verificação da autocorrelação, sendo o índice de Moran global e local univariados.

A autocorrelação espacial pode manifestar-se de diversas maneiras 1. Neste estudo, utilizou-se as matrizes espaciais com pesos do tipo contiguidades (baseada na proximidade entre unidades) e 𝑘 vizinhos (com 𝑘 variando de 1 a 242). Para a criação dos mapas, utilizou-se a matriz georreferenciada disponibilizada pelo IBGE (2023), a fim de observar as interconexões entre municípios. Nesse contexto, a matriz indica um caso o município tenha alguma conexão com outro e zero caso contrário (ALMEIDA, 2012; CLIFF; ORD, 1981).

As matrizes de pesos espaciais foram construídas utilizando as noções empregadas no jogo de xadrez, a fim de simular o deslocamento das peças. Foram utilizadas três matrizes de contiguidade: rainha, torre e 𝑘 vizinhos. A matriz do tipo rainha considera qualquer tipo de contiguidade entre municípios, enquanto a matriz do tipo torre considera apenas as conexões mais contundentes, e a matriz tipo 𝑘 vizinhos considera todas as conexões até 24 vizinhos próximos – inclusive “vizinho de vizinhos” (ALMEIDA, 2012). A seleção da matriz de pesos espaciais adequada a ser utilizada foi feita com base na estatística do índice de Moran global univariado (STAKHOVYCH; BIJMOLT, 2009).

O índice de Moran global univariado (𝐼) é usado para avaliar como a taxa de óbitos por DCNT interagem com o ambiente, considerando a existência de dependência espacial entre os municípios. O índice mede a proporção de desvios em relação à média da autocorrelação espacial e varia entre −1 < 𝐼 < 1. Um valor próximo de zero indica ausência de dependência espacial, enquanto um valor mais próximo de um indica autocorrelação espacial, podendo ser positiva ou negativa (ALMEIDA, 2012). O índice é representado por:

𝑛 (DCNT)𝑊(DCNT)

𝐼 = (𝑛 𝑊 ) ( (DCNT)(DCNT) )

𝑖=1 𝑖𝑗

(1)


70

1 Para mais informações vide Almeida (2012).

2 O máximo de contiguidades municipais observadas no território brasileiro são vinte e três.


em que 𝐼 é o índice de Moran global univariado; 𝑛 é o número de unidades espaciais (sendo

𝑖=1

neste estudo 5570 cidades); 𝑛 𝑊𝑖𝑗 o somatório dos elementos da matriz de pesos espaciais

𝑊, pelo qual 𝑗 denota os valores das cidades vizinhas próximas a 𝑖 ; e DCNT o vetor que representam a taxa de óbitos por doenças crônicas não transmissíveis por 100 mil habitantes.

O índice de Moran local univariado (𝐼𝑖) calcula a autocorrelação espacial específica para cada cidade em relação às demais, permitindo a identificação e análise da formação de agrupamentos e do comportamento dessas concentrações. O 𝐼𝑖 classifica a dependência espacial em quatro categorias: alto-alto (AA), quando valores elevados estão próximos uns dos outros; baixo-baixo (BB), quando valores baixos estão próximos entre si; alto-baixo (AB), quando uma cidade apresentando alta taxa de incidência de DCNT, por exemplo, está localizada em uma região com baixa proporção de ocorrências; e baixo-alto (BA), quando um município com baixa prevalência está contíguo a cidades com altas taxas de DCNT.

Valores de 𝐼𝑖 maior do que zero indicam similaridade entre as unidades (AA, BB), menores que zero disparidades (AB e BA), e um valor igual a zero indica ausência de clusters. A equação dessa estatística é representada por:

𝐽

𝐼𝑖 = (DCNT𝑖) ∑ 𝑊𝑖𝑗(DCNT𝑗)

𝑗=1


(2)

em que 𝐼𝑖 é o índice de Moran local univariado; DCNT𝑖 é a taxa de óbitos por DCNT por 100 mil habitantes na cidade 𝑖 ; DCNT𝑗 o valor da observação na região próxima à 𝑖 ; sendo

𝐽

𝑗=1

𝑊𝑖𝑗(DCNT𝑗) o somatório dos elementos da matriz de contiguidade 𝑊 multiplicado pelo

vetor de observações nas contiguidades da região 𝑖 (ALMEIDA, 2012).

A verificação da existência do comportamento espacial dos dados é importante, pois, conforme observado por Rosenberger et al. (2005), as DCNT podem se correlacionar com o meio ambiente, justificando a realização do teste empírico para o Brasil. Caso não se confirmasse a presença do comportamento espacial nos dados, a metodologia econométrica linear clássica seria empregada.


Especificação dos Modelos Econométricos


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Dada a existência do comportamento espacial nos dados, o método clássico pode levar a viés e inconsistência, o que justifica a necessidade de métodos e modelos que levem em


consideração essa particularidade. Assim, são especificados modelos econométricos de dados em painel espacial, que, assim como os modelos clássicos, podem ser divididos em efeitos fixos (EF) e efeitos aleatórios (EA). E o teste de Hausman é utilizado para selecionar o tipo de efeito não observado (EF ou EA) mais adequado para a estimação do modelo (GREENE, 2012).

O primeiro modelo é o clássico de dados em painel com EF, que é especificado da seguinte forma:

DCNT𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜀𝑖𝑡

(3)

em que DCNT𝑖𝑡 é o vetor da variável dependente, no município 𝑖 no ano 𝑡 , sendo

𝑖 = 1, 2, 3, , 5570 e 𝑡 = 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019; 𝛼𝑖 reporta os efeitos fixos da unidade 𝑖 ; 𝑋𝑖𝑡 o vetor das variáveis independentes; 𝛽 é o vetor transposto de parâmetros; e 𝜀𝑖𝑡 o termo de erro do modelo aleatoriamente distribuído.

Já o modelo clássico de dados em painel com EA pode ser definido da seguinte maneira:


DCNT𝑖𝑡 = 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜉𝑖𝑡

(4)

𝜉𝑖𝑡 = 𝜔𝑖 + 𝜀𝑖𝑡

(5)

em que 𝜉𝑖𝑡é o termo de erro do modelo; e 𝜔𝑖 reporta os efeitos aleatórios.

No entanto, o modelo clássico de dados em painel não considera a autocorrelação espacial. Portanto, para superar essa limitação, são apresentados alguns modelos de dados em painel espacial, a saber: SLX, SAR, SEM e SAC. Cabe ressaltar que os modelos mencionados a seguir são abordados de maneira geral e incorporam os efeitos não observados, ou seja, tanto os EF quanto os EA. Em seguida, será realizado um teste de Hausman para determinar a abordagem mais adequada para tratar os efeitos não observados.

O modelo Spatial Model with Lag in X (SLX) incorpora a defasagem espacial apenas nas variáveis independentes e é especificado como:

DCNT𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜃𝑊𝑖𝑋𝑖𝑡 + 𝜉𝑖𝑡

(6)

em que 𝜃 é o parâmetro que captura a dependência espacial das variáveis independentes e 𝑊𝑖 representa a matriz de ponderação espacial (ELHORST, 2014).

O modelo Spatial Autoregressive Model (SAR) capta a dependência espacial defasando a variável dependente e pode ser descrito por:

DCNT𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝜌𝑊𝑖DCNT𝑖𝑡 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜉𝑖𝑡

(7)

72

em que 𝜌 é o parâmetro que reporta o efeito do quanto uma variação na taxa média de óbitos por DCNT de uma cidade pode afetar os municípios vizinhos (ELHORST, 2014).


O modelo Spatial Error Model (SEM) considera a possibilidade de interações espaciais entre variáveis não observadas, as quais estão incorporadas no termo de erro, representado por:

DCNT𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜉𝑖𝑡

(8)

𝜉𝑖𝑡 = 𝜆𝑊𝑗𝜉𝑖𝑡 + 𝜔𝑖 + 𝜀𝑖𝑡

(9)

em que 𝜆 reflete a dependência espacial do termo de erro, representando efeitos não modelados ou a ausência de variáveis mensuráveis disponíveis (ELHORST, 2014).

O modelo Spatial Autoregressive (SAC) é uma extensão do SAR e do SEM, ou seja, considera tanto a defasagem espacial da variável dependente quanto do termo de erro, e pode ser especificado da seguinte forma:

DCNT𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝜌𝑊𝑖DCNT𝑖𝑡 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 𝜉𝑖𝑡

(10)

𝜉𝑖𝑡 = 𝜆𝑊𝑖𝜉𝑖𝑡 + 𝜔𝑖 + 𝜀𝑖𝑡

(11)

Esses modelos têm como objetivo verificar empiricamente evidências de correlação entre os óbitos por DCNT e os gastos públicos com saúde e educação, incluindo a possibilidade de interação espacial entre os municípios. Cabe ressaltar que a estimação dos modelos foi realizada utilizando o método de máxima verossimilhança.


Fonte e Base de Dados


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Foram escolhidas quatro variáveis em nível municipal para análise: a variável dependente é a taxa de óbitos por DCNT na faixa etária entre 30 e 69 anos, por 100 mil habitantes, disponibilizada pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do DataSUS; como variáveis independentes foi utilizado os gastos públicos per capita em atendimentos ambulatoriais relacionados às DCNT, na faixa etária entre 30 e 69 anos, do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) do DataSUS; os gastos per capita em atendimentos hospitalares relacionados às DCNT, obtidos do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) do DataSUS; e os gastos per capita em educação do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Cabe ressaltar que todos os gastos foram ajustados para valores de 2019 pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados abrangem o período entre 2013 e 2019.


As DCNT foram definidas e classificadas de acordo com a CID-103, utilizando os critérios descritos na Nota informativa dos aspectos metodológicos do coeficiente de mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis (2018). Para a elaboração da taxa de óbitos por DCNT, foram consideradas as mortes por causas evitáveis, ou seja, aqueles provocados por neoplasias (C00-C97), diabetes mellitus (E10-E14), doenças cardiovasculares (I00-I99) e doenças respiratórias crônicas (J30-J35; J37-J98) na população entre 30 e 69 anos (BRASIL, 2018).

É importante ressaltar que o logaritmo neperiano dos gastos foi utilizado com o objetivo de estabelecer uma escala de medição que aprimora a interpretação, aproximando as diferentes escalas para facilitar a compreensão. A Tabela 1 apresenta a descrição das variáveis que foram utilizadas na análise.


Tabela 1 – Descrição das variáveis utilizadas

Variável dependente

DCNT

Taxa de óbitos por Doenças Crônicas Não Transmissiveis

Variáveis independentes

ln(G.SIA)

Logaritmo neperiano dos gastos públicos em procedimentos ambulatoriais

ln(G.SIH)

Logaritmo neperiano dos gastos públicos em procedimentos hospitalares

ln(G.Educ)

Logaritmo neperiano dos gastos públicos com educação

Fonte: Elaborado pelos autores.


A escolha de utilizar os gastos em saúde e educação como variáveis explicativas para a taxa de óbitos por DCNT se fundamenta na compreensão de que esses indicadores desempenham papéis fundamentais na promoção da saúde e na prevenção de doenças. Os gastos em saúde, representados pelos investimentos em atendimentos ambulatoriais e hospitalares relacionados às DCNT, são uma medida direta do comprometimento dos recursos públicos na abordagem e tratamento dessas condições. Além disso, os gastos em educação, ao serem incorporados na análise, refletem o reconhecimento da influência de fatores socioeconômicos e educacionais na saúde da população. Visto que, indivíduos mais instruídos tendem a estar mais informados sobre práticas de saúde preventiva e a adotar comportamentos saudáveis, o que pode impactar positivamente a incidência de DCNT.

O período selecionado, de 2013 a 2019, foi deliberadamente definido com o propósito de assegurar a consistência e a objetividade da análise. A decisão de começar em 2013 está


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3 Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde.


relacionada ao momento em que os gastos públicos georreferenciados se tornaram disponíveis, enquanto o término em 2019 visa evitar potenciais interferências advindas da pandemia de Covid-19, que surgiu no início de 2020. Logo, essa escolha garante que os resultados obtidos estejam menos sujeitos a flutuações abruptas ligadas à emergência da pandemia.

Na seção seguinte, serão apresentadas as estatísticas descritivas, os resultados obtidos e sua respectiva discussão.


RESULTADOS E DISCUSSÃO


Estatística Descritiva


As estatísticas descritivas das variáveis estão apresentadas na Tabela 2.


Tabela 2 – Estatística descritiva

Variável

Média

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

DCNT

293.1708

114.7794

0

1263.1580

G.SIA

19.1770

13.8722

0

295.7750

ln(G.SIA)

2.6359

0.9737

-6.3576

5.6896

G.SIH

28.9817

19.6032

0

511.8957

ln(G.SIH)

3.1236

0.7656

-3.7221

6.2381

G.Educ

949.5614

347.8767

0.0464

6617.3760

ln(G.Educ)

6.7959

0.3535

-3.0695

8.7975

Fonte: Elaborado e estimado pelos autores a partir dos dados do DataSUS e Siconfi, utilizando o software

Stata 15.1 licenciado sob número 401506318757.

Nota: Os valores monetários foram corrigidos a preços de 2019 pelo INPC.


Por meio das estatísticas descritivas, torna-se evidente a presença de uma considerável variância nos dados, especialmente no contexto dos gastos públicos. Essa dispersão é mais pronunciada nos gastos relacionados aos procedimentos ambulatoriais e hospitalares, nos quais em determinados municípios apresentaram gastos que ultrapassaram em mais de 15 e 17 vezes a média, respectivamente, para essas categorias. No que diz respeito aos gastos em educação, embora em menor escala, ainda se observa um cenário similar, onde alguns municípios registraram gastos até 7 vezes maiores que a média estabelecida.

75

Na Figura 1, observa-se a tendência de redução média nos óbitos por DCNT no Brasil durante o período compreendido entre 1996 e 2019. Isso apresenta uma evidência positiva de que o acesso aos serviços hospitalares e de saúde primária, aliados ao compromisso global


representado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, tem desempenhado um papel significativo na diminuição das taxas de mortalidade relacionadas às DCNT. No entanto, ao analisar em nível regional, encontram-se disparidades pronunciadas, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país, onde se constata um preocupante aumento na incidência dessas doenças a cada ano, enquanto nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste esse valor vem diminuindo. Ainda assim, destaca-se que a região Sul exibe uma taxa de óbitos superior à da região Norte em aproximadamente 33,5% no ano de 2019, conforme ilustrado na Figura 1.


Figura 1 – Incidência de óbitos por doenças crônicas não transmissíveis entre 1996-2019 no Brasil da população entre 30-69 anos

Incidência por 100 mil habitantes

500

450

400

350

300

250

200

150

Ano


Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do DataSUS.

Quando se analisa a proporção de óbitos associado às DCNT em relação a todas as demais causas, incluindo ocorrências como violência e acidentes de trânsito, torna-se evidente que as mortes decorrentes de causas evitáveis relacionadas às DCNT têm apresentado um aumento ao longo das últimas duas décadas. No contexto brasileiro, essas causas representaram aproximadamente 66% do total de óbitos, enquanto a média global ficou em torno de 61% no ano de 2019, conforme ilustrado na Figura 2.

76

Fatores como mudanças nos estilos de vida, envelhecimento da população, urbanização e transição nutricional podem ter contribuído para esse cenário. No entanto, políticas de saúde preventiva direcionadas para a prevenção e controle de doenças são fundamentais para enfrentar esse desafio.


Figura 2 – Proporção de óbitos por doenças crônicas não transmissíveis entre 1996-2019 da população de menos de 70 anos de idade no Brasil e no mundo

100%

95%

90%

85%

Prpoporção

80%

75%

70%

65%

60%

55%

50%

45%

1990

1991

1992

1993

1995

1996

1994

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2007

2006

2008

2009

2011

2010

2012

2013

2015

2014

2017

2018

2016

2019

40%


Ano


Brasil Mundo

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Global Burden of Disease do Institute for Health Metrics and Evaluation.


Durante o período entre 2013 e 2019, o Brasil registrou mais de 2 milhões de óbitos relacionados às DCNT, resultando em uma média anual de aproximadamente de 300 mil casos. Esses números apontam para a magnitude do desafio que as DCNT representam para a saúde pública nacional. Destacam-se, entre as principais causas, as doenças cardiovasculares e as neoplasias, que lideram as estatísticas, seguidas pela diabetes e doenças respiratórias crônicas, conforme ilustrado na Figura 3.

Ao analisar as categorias, as doenças cardiovasculares são a principal causa de óbitos evitáveis, totalizando mais de 132 mil casos anuais, atingindo o ápice em 2016, com 140834 registros. Em segundo lugar, as neoplasias, emergem como responsáveis por provocar mais de 100 mil casos, alcançando o seu pico em 2019, com 120972 ocorrências. Juntas, essas causas perfazem 86% das mortes. A diabetes, por sua vez, contribui com mais de 23 mil casos, enquanto as doenças respiratórias crônicas somam mais de 20 mil casos, correspondendo a 9% e 7% do total de óbitos, respectivamente.

77

Esses dados enfatizam a urgência de abordagens preventivas e políticas públicas eficazes para confrontar esses fatores de risco. Em particular, é essencial melhorar o acesso aos cuidados médicos a fim de identificar precocemente essas condições. Isso não apenas pode conter essa tendência preocupante, mas também preservar vidas, reduzindo a pressão sobre


hospitalizações e o sistema de saúde como um todo. Essa abordagem culminaria em um panorama de maior bem-estar para a sociedade como um todo.


Figura 3 – Incidência de óbitos por categoria das doenças crônicas não transmissíveis entre 2013-2019

150000

140000

130000

120000

110000

Quantidade

100000

90000

80000

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000

0

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Ano

Neoplasias
Diabetes
Doenças Cardiovasculares
Doenças Respiratórias Crônicas


Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do DataSUS.


Na Figura 4, é possível observar a incidência mais acentuada nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil, assim como ao longo da costa nordestina, com destaque para os Estados da Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Durante o período entre 2013 e 2019, houve uma redução nessa concentração, porém, sua relevância nessas regiões ainda é substancial. Na Região Centro- Oeste, o fenômeno também é notável na fronteira com Bolívia e Paraguai, bem como nas áreas onde as Regiões Sul e Sudeste se encontram. Por outro lado, a Região Norte apresenta a menor incidência em âmbito nacional, com casos se distribuindo de maneira mais uniforme ao longo do período em análise.

Detalhes referentes à quantidade de cidades em cada intervalo podem ser encontrados na Tabela 3, na qual é possível observar uma redução no número de cidades com taxa de ocorrência inferior a 100, por 100 mil habitantes. Por outro lado, a faixa acima de 300 ocorrências por 100 mil habitantes demonstra um aumento ao longo desse período.

78

É relevante notar ainda que a Figura 4 apresenta os primeiros insights que apontam para


a presença de um comportamento espacial nos dados analisados, revelando padrões de distribuição geográfica ao longo do período observado.


Figura 4 – Incidência de óbitos por doenças crônicas não transmissíveis entre 2013-2019 por municípios


2013

2014



2015




2016

2017



2018



2019


Legenda






< 100

[100, 200)

[200, 300]

(300, 400]

>400

79

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do DataSUS utilizando o software GeoDa 1.18.0. Nota: Por 100 mil habitantes.


Tabela 3 – Quantidade de cidades por intervalo de óbitos por doenças crônicas não transmissíveis entre 2013-2019 por 100 mil habitantes

Ano

<100

[100, 200)

[200, 300]

(300, 400]

>400

2013

204

984

1925

1553

904

2014

229

975

1988

1600

778

2015

207

884

1981

1642

856

2016

176

854

1863

1732

945

2017

172

867

1955

1704

872

2018

167

775

2062

1694

872

2019

154

823

1977

1708

908

2020

169

809

2099

1690

803

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do DataSUS utilizando o software GeoDa 1.18.0.


No que diz respeito aos gastos públicos por habitante com educação (eixo vertical esquerdo), foi identificada uma tendência de aumento ao longo do período, com variações substanciais. Quanto aos gastos com procedimentos ambulatoriais e hospitalares por habitante (eixo vertical direito), observa-se uma leve tendência de queda no período, como é evidenciado na Figura 5. É importante destacar que os gastos com saúde apresentam uma correlação com o número de tratamentos das DCNT, uma vez que cerca de 71% da população utiliza o SUS em alguma esfera (BRASIL, 2021).


Figura 5 – Evolução dos gastos públicos em educação, produção ambulatorial e hospitalares,

per capita, entre 2013-2019

1000

R$ por habitante (Educação)

990

980

970

960

950

940

930

920

910

900

35

30

R$ por habitante

25

20

15

10

5

0

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Ano


Gastos com Educação SIA SIH Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Siconfi e do DataSUS.

80

Com base no exposto nesta seção, foram observados indícios que sugerem a existência


de um comportamento espacial nos dados dos óbitos por DCNT a cada ano. Diante disso, serão conduzidos testes específicos para verificar a presença de autocorrelação. Isso é realizado por meio da análise exploratória de dados espaciais, com o objetivo de avaliar a relevância estatística desse padrão e sua distribuição. Essa abordagem também permitirá a identificação de clusters de incidência.


Análise Exploratória de Dados Espaciais dos Óbitos por DCNT


Para examinar a autocorrelação espacial, foram exploradas todas as opções de pesos espaciais mencionadas, abrangendo as contiguidades dos tipos rainha, torre e 𝑘 vizinhos. Observa-se que as estatísticas do Índice de Moran global univariado foram estatisticamente significativas, revelando resultados bastante próximos entre si. Com base nisso, optou-se pelo uso da contiguidade do tipo rainha para avaliar a distribuição espacial a partir deste ponto, uma vez que essa abordagem engloba todas as conexões entre os territórios. Essa decisão é baseada na observação de Tobler (1970) de que tudo se correlaciona com o todo; no entanto, elementos mais próximos mantêm uma correlação mais intensa do que aqueles mais distantes.

A Tabela 4 apresenta as estatísticas do Índice de Moran global univariado para cada ano e tipo de matriz. As informações contidas nessa tabela revelam evidências substanciais para abordar a distribuição espacial ao analisar dados das DCNT. Contudo, é importante ressaltar que o Índice de Moran global univariado pode deixar negligenciar padrões e interações locais na distribuição. Para mitigar essa limitação, procede-se ao cálculo do Índice de Moran local univariado, fornecendo assim uma perspectiva mais completa e contextualizada das interações espaciais.

A Figura 6 apresenta os resultados do Índice de Moran local univariado, evidenciando a presença de clusters significativos. A cor cinza indica a ausência de aglomerações, a vermelha revela concentrações do tipo AA, áreas em azul vibrante representam conglomerados do tipo BB, enquanto os tons de lilás e rosa indicam os agrupamentos dos tipos BA e AB, respectivamente. Durante o período analisado, observou-se uma taxa de formação de clusters no território brasileiro que variou entre 21% e 26%. Esses resultados são apresentados de maneira mais detalhada na Tabela 5, onde é possível observar o número de cidades em cada grupo para cada ano.

81

Na Região Norte, ao longo do período analisado, observa-se uma concentração do tipo


BB, resultando na formação de um extenso cluster que abrangeu todo o território. Destaca-se que algumas cidades, como Itaituba e Altamira no Pará, apresentaram uma incidência elevada de óbitos (classificando-se como AB), e essa situação se destacou nas microrregiões específicas em que essas cidades estão situadas.


Tabela 4 – Índice de Moran global univariado da variável dependente para escolha da matriz de contiguidade

Tipo de Contiguidade

                                   Ano                    

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

Rainha

0.268

0.230

0.236

0.226

0.218

0.225

0.200

Torre

0.268

0.232

0.238

0.227

0.218

0.225

0.201

1 Vizinho

0.289

0.206

0.230

0.239

0.219

0.230

0.226

2 Vizinhos

0.285

0.212

0.246

0.232

0.227

0.238

0.225

3 Vizinhos

0.270

0.222

0.244

0.228

0.228

0.230

0.215

4 Vizinhos

0.270

0.227

0.242

0.228

0.227

0.233

0.207

5 Vizinhos

0.268

0.227

0.241

0.226

0.225

0.228

0.203

6 Vizinhos

0.268

0.225

0.237

0.225

0.219

0.227

0.198

7 Vizinhos

0.267

0.225

0.230

0.224

0.216

0.223

0.194

8 Vizinhos

0.267

0.219

0.228

0.225

0.216

0.221

0.194

9 Vizinhos

0.267

0.220

0.225

0.223

0.213

0.218

0.191

10 Vizinhos

0.267

0.219

0.223

0.223

0.214

0.215

0.190

11 Vizinhos

0.266

0.217

0.221

0.221

0.211

0.214

0.192

12 Vizinhos

0.265

0.214

0.219

0.220

0.211

0.213

0.190

13 Vizinhos

0.264

0.212

0.218

0.219

0.210

0.213

0.189

14 Vizinhos

0.263

0.212

0.217

0.218

0.208

0.210

0.189

15 Vizinhos

0.261

0.211

0.216

0.217

0.208

0.209

0.188

16 Vizinhos

0.259

0.209

0.215

0.218

0.204

0.208

0.187

17 Vizinhos

0.258

0.208

0.213

0.217

0.204

0.207

0.187

18 Vizinhos

0.257

0.206

0.213

0.216

0.203

0.205

0.185

19 Vizinhos

0.257

0.204

0.213

0.215

0.202

0.204

0.184

20 Vizinhos

0.256

0.202

0.212

0.214

0.201

0.203

0.184

21 Vizinhos

0.256

0.201

0.211

0.214

0.201

0.202

0.183

22 Vizinhos

0.255

0.200

0.210

0.214

0.201

0.201

0.182

23 Vizinhos

0.254

0.199

0.210

0.213

0.200

0.199

0.181

24 Vizinhos

0.252

0.198

0.208

0.213

0.200

0.199

0.181

Fonte: Elaborado e estimado pelos autores a partir dos dados do DataSUS utilizando o software GeoDa 1.18.0. Nota: O nível de significância das estatísticas calculadas é dado por: − ( 1 ) ≈ 0,0002 sendo 𝑛 o número de

1−𝑛

municípios.


82

No Nordeste brasileiro, foi identificado um conglomerado do tipo BB entre os anos de 2013 e 2019, que gradualmente deixou de ser significativo ao se aproximar das fronteiras com a região Sudeste. Durante esse período, também se observou a formação e dissolução de um agrupamento AA entre os estados de Alagoas, Pernambuco e Paraíba, que emergiu e desapareceu em anos alternados, sobretudo nas áreas próximas à costa oceânica.


Na Região Centro-Oeste, ocorreu uma aglomeração do tipo BB nas áreas de confluência com as regiões Norte e Nordeste, abrangendo os estados de Mato Grosso e Goiás. Além desse, outro conglomerado BB se formou na fronteira com a Bolívia, mantendo-se até o ano de 2019.


Figura 6 – Índice de Moran local univariado dos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis entre 2013-2019

2013


2014



2015




2016


2017



2018






2019





Legenda






Alto-Alto

Baixo-Baixo

Baixo-Alto

Alto-Baixo

Não significativo

Fonte: Elaborado e estimado pelos autores a partir dos dados do DataSUS utilizando o software GeoDa 1.18.0. Nota: O nível de significância das estatísticas calculadas é dado por: − ( 1 ) ≈ 0,0002 sendo 𝑛 o número de

1−𝑛

83

municípios.


Na Região Sudeste, um cluster do tipo AA foi identificado nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo ao longo de todo o período analisado. Contudo, nas fronteiras com o Nordeste, observou-se um conglomerado do tipo BB que se tornou mais intenso e abrangente no intervalo da análise.

Na Região Sul, predominou-se quase exclusivamente clusters do tipo AA durante todo o período, concentrando-se principalmente no Rio Grande do Sul, o qual incluiu uma parcela significativa das cidades e suas conexões com o Uruguai. Adicionalmente, foi identificado um conglomerado AA no Paraná, especialmente nas fronteiras com São Paulo e em algumas áreas de interseção com Santa Catarina.

Na Região Centro-Oeste, ocorreu uma aglomeração do tipo BB nas áreas de confluência com as regiões Norte e Nordeste, abrangendo os estados de Mato Grosso e Goiás. Além desse, outro conglomerado BB se formou na fronteira com a Bolívia, mantendo-se até o ano de 2019.


Na Região Sudeste, um cluster do tipo AA foi identificado nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo ao longo de todo o período analisado. Contudo, nas fronteiras com o Nordeste, observou-se um conglomerado do tipo BB que se tornou mais intenso e abrangente no intervalo da análise.

Na Região Sul, predominou-se quase exclusivamente clusters do tipo AA durante todo o período, concentrando-se principalmente no Rio Grande do Sul, o qual incluiu uma parcela significativa das cidades e suas conexões com o Uruguai. Adicionalmente, foi identificado um conglomerado AA no Paraná, especialmente nas fronteiras com São Paulo e em algumas áreas de interseção com Santa Catarina.

Tabela 5 – Quantidade de cidades por clusters


Ano

AA

BB

BA

AB

Não Significativo

2013

566

626

163

110

4103

2014

448

567

155

107

4291

2015

464

573

136

123

4272

2016

468

547

149

123

4281

2017

424

561

169

120

4294

2018

428

567

155

128

4290

2019

363

546

145

124

4390

2020

426

504

151

127

4360

84

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do DataSUS utilizando o software GeoDa 1.18.0.


Diante disso, verifica-se que a taxa de mortalidade por DCNT apresenta uma concentração em conglomerados urbanos nas regiões Sudeste e Nordeste, além do Estado do Rio Grande do Sul. Essa tendência pode estar relacionada à vulnerabilidade socioeconômica da população, especialmente aquela pertencente aos estratos mais pobres e urbanos (BAKER et al. 2020; EVERSON et al. 2002). Comprovado a presença de autocorrelação espacial, prossegue-se para a realização da estimação dos modelos de dados em painel espacial e dos testes de especificação.


Resultados dos Modelos Clássico e Espaciais


Os resultados do modelo clássico e dos modelos espaciais de EF são apresentados com o objetivo de realizar comparações e fortalecer a robustez do modelo4. No entanto, com base no Critério de Informação Akaike (AIC), o modelo SEM foi selecionado para ser interpretado. Os resultados são descritos na Tabela 8. De maneira similar ao que foi observado Rosenberger et al. (2005) para os Estados Unidos da América, observou-se efeitos relevantes da distribuição espacial dos dados para o Brasil.

Os resultados evidenciam que os gastos públicos na área da saúde tiveram um efeito positivo sobre a taxa de mortalidade por DCNT. Observou-se que para cada variação relativa de 1% nos recursos destinados aos procedimentos ambulatoriais e hospitalares, ocorreu um aumento de 0.08 e 0.18 óbitos por 100 mil habitantes, respectivamente. Resultado semelhante foi identificado para os gastos relacionados à educação, evidenciando um incremento de 0.07 óbitos por 100 mil habitantes.

Estes resultados, embora paradoxal, pode ser atribuído ao possível diagnóstico e tratamento tardio dessas doenças. Além disso, regiões com maior incidência de DCNT podem alocar recursos adicionais para os setores de saúde, como estratégia de combate a esses problemas. Dessa forma, é possível que a taxa de mortalidade esteja influenciando o aumento dos investimentos em saúde e educação, revertendo assim a relação causal esperada.


85

4 Os seguintes testes de especificações foram empregados na análise: teste de Chow, Breusch-Pagan, Hausman, Hausman robusto, White, Wooldridge e CD de Pesaran (2004 e 2015), além do critério de Baumont. Para obter informações na íntegra, recomenda-se: SIQUEIRA, Wallace Lobato. O efeito dos gastos públicos nos óbitos por doenças crônicas não transmissíveis. 2023. 44 p. Monografia (Especialização em Estatística e Modelagem Quantitativa) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2023. Disponível em: http://repositorio.ufsm.br/handle/1/30147. Acesso em: 24 dez. 2023.


Tabela 6 – Resultados da regressão dos modelos


Variável

EF

p-valor

SLX

p-valor


SAR

p-valor


SEM

p-valor


SAC

p-valor


ln(G.Educ)

7.3754

0.0752

*

-


7.3382

0.0246

**

7.3242

0.0252

**

7.3058

0.0260

**

ln(G.SIA)

8.3189

0.0000

***

-


8.3204

0.2889

***

8.3496

0.0000

***

8.3913

0.0000

***

ln(G.SIH)

18.7748

0.0000

***

-

18.8153

0.0833

***

18.9612

0.0000

***

19.1810

0.0000

***

Constante

162.48

0.0000

***

-


-


-


-


θ.ln(G.SIA)

-


8.6337

0.2924


-


-


-


θ.ln(G.SIH)

-

-0.3793

0.8797


-


-


-


θ.ln(G.Educ)

-

-10.0543

0.0100

**

-


-


-


ρ

-


-


0.0247

0.0309

**

-


-0.0530

0.2359


λ

-


-


-


0.0291

0.0109

**

0.0791

0.0654


0.1434


0.0371


0.1434


0.1435


0.1419


AIC

457727

397749.2

397489.4


397487.6


397488.2


Fonte: Elaborado e estimado pelos autores a partir dos dados do DataSUS, Siconfi e IBGE utilizando o software

Stata 15.1 licenciado sob número 401506318757.


Outro fator determinante que pode estar influenciando esses resultados é a qualidade dos gastos. Embora os recursos sejam direcionados ao diagnóstico e tratamento direto das doenças, a sua alocação pode não ser eficiente. Assim, uma má gestão dos recursos ou a ineficácia na melhoria dos serviços e/ou procedimentos podem resultar em consequências desfavoráveis. Isso é agravado pela complexidade e interconexão do sistema de saúde, onde diversos elementos, como acesso a serviços de qualidade, distribuição de recursos e políticas de saúde pública, podem impactar a relação entre os gastos e os resultados de forma adversa.

86

É fundamental ressaltar que os investimentos em saúde e educação geralmente geram efeitos positivos de longo prazo, embora tais resultados possam demorar a se manifestar. Portanto, em um curto período, o aumento nos gastos pode não se refletir imediatamente na redução da taxa de mortalidade. Becker e Siqueira (2022), ao analisarem um período maior, encontraram evidências negativas e significativas dos efeitos dos gastos com saúde nos óbitos por DCNT na população em idade escolar. No entanto, Rosenberger et al. (2005), assim como este estudo, também identificaram uma correlação positiva entre os gastos com saúde e o tratamento de doenças cardíacas.


A educação também emerge como uma ferramenta potencial para a redução dos óbitos por DCNT. Malta et al. (2017) constataram que os grupos mais suscetíveis às DCNT são os de baixa escolaridade. Everson et al. (2002) corroboram esse ponto ao indicar que aqueles com menor nível educacional e maior vulnerabilidade econômica são mais afetados por tais doenças. Isso ressalta a importância da expansão do Programa Saúde da Família com foco na prevenção e controle dessas doenças.

Os parâmetros espaciais demonstraram ser significativos tanto no modelo de SAR quanto no SEM. No caso do modelo SEM, o coeficiente apresentou um valor aproximado de 0,03. Isso indica a existência de uma associação positiva de transbordamento dos efeitos dos óbitos por DCNT para os municípios vizinhos, utilizando a abordagem de contiguidade do tipo Rainha. A natureza positiva desse coeficiente sugere que o aumento de óbitos em um município pode contribuir para o aumento nas cidades adjacentes. Contudo, é importante notar que esses efeitos são capturados a partir dos resíduos do modelo, o que sugere que fatores não incluídos no modelo estão exercendo influência sobre a taxa de mortalidade.

Os resultados indicaram que os gastos públicos em saúde e educação exercem influência nos óbitos por DCNT, mas não conforme o esperado. No entanto, são necessários dados mais aprofundados para uma medição mais precisa dos coeficientes, a fim de capturar de maneira mais efetiva o efeito causal dos gastos. Além disso, políticas públicas voltadas para uma alimentação mais saudável, incentivo à prática de exercícios físicos e campanhas de promoção de hábitos saudáveis podem contribuir para mitigar esse problema. Isso, por sua vez, também poderia reduzir o absenteísmo e promover um acúmulo mais substancial de capital humano.


CONCLUSÃO


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A saúde desempenha um papel fundamental na economia de um país. No entanto, é alarmante que anualmente se percam mais de 300 mil vidas no Brasil devido a causas evitáveis, afetando indivíduos em idade economicamente ativa. Diante dessa problemática, este estudo teve como objetivo investigar a presença de autocorrelação espacial nos óbitos por DCNT e analisar os efeitos dos investimentos públicos em saúde e educação na incidência de óbitos evitáveis. Para a regressão, foi utilizado um painel de dados espaciais por efeitos fixos a nível municipal no período entre 2013 e 2019.


Os resultados revelaram a existência de um efeito de transbordamento espacial na taxa de mortalidade por DCNT. Além disso, verificou-se que os gastos em procedimentos ambulatoriais, hospitalares e educação tiveram impactos positivos na incidência de óbitos, com coeficientes de 0.08, 0.18 e 0.07, respectivamente, por 100 mil habitantes. Esses resultados podem indicar que regiões com maiores índices de mortalidade estão direcionando mais recursos, que a média, para saúde e educação, como estratégia de combate a esses problemas. Dessa forma, a taxa de mortalidade pode estar influenciando o aumento dos investimentos nessas áreas, invertendo a relação causal esperada.

A identificação do fenômeno de transbordamento espacial destaca a importância de ser utilizado a abordagem para a formulação de políticas públicas, levando em consideração as particularidades regionais e os efeitos que as intervenções podem ter para além das fronteiras municipais. Embora observou-se uma redução na taxa geral de mortalidade por DCNT no país, indicando avanços em iniciativas de saúde pública e atendimento médico, a análise também ressalta a persistência de disparidades regionais, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde os óbitos por DCNT aumentaram para média regional. Isso ressalta a necessidade de estratégias específicas que enfrentem os desafios dessas áreas, garantindo um acesso mais equitativo ao sistema de saúde.

A relação positiva inesperada entre os gastos públicos em saúde e educação e as taxas de mortalidade por DCNT levanta questionamentos sobre a alocação e utilização dos recursos. Isso demanda uma análise crítica para compreender os mecanismos subjacentes que impulsionam essa associação aparentemente contraditória. Investigações adicionais são necessárias para discernir detalhadamente os fatores que influenciam essa relação, potencialmente proporcionando insights valiosos sobre a acessibilidade aos serviços de saúde, detecção precoce de doenças e eficácia dos programas de saúde.

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Em síntese, este estudo realça a relevância de uma abordagem espacial na formulação de políticas de saúde. E serve como um alerta para os formuladores de políticas ultrapassarem as fronteiras administrativas e colaborarem entre regiões, a fim de desenvolver intervenções mais eficazes, considerando o fenômeno de transbordamento espacial.


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Declaração de Interesse

Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse.


Financiamento

Financiamento próprio.

Colaboração entre autores

O presente artigo foi escrito pelo

W. L. S. sob orientação do professor

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A. M. S. projetado e concluído no Curso de Especialização em Estatística e Modelagem Quantitativa da Universidade Federal de Santa Maria. Ambos os autores cuidaram da parte dissertativa do artigo.