MULHERES E POLÍTICA: IGUALDADE DE GÊNERO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO E PARTICIPAÇÃO NA DEMOCRACIA

Ana Bárbara Silva Moreira, Leilson Soares Viana. Mulheres e Política: igualdade de gênero como instrumento de efetivação e participação na democracia. Revista Ciência Dinâmica, vol. 14, núm. 1, 2023. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga.


CIÊNCIA DINÂMICA – Revista Científica Eletrônica FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA

23 ª Edição 2023 | Ano XIV – nº 1 | ISSN – 2176-6509


DOI: 10.4322/2176-6509.2023.004

1º semestre de 2023

participação na democracia

Women and Politics: Gender equality as an instrument for effectiveness and participation in democracy

Ana Bárbara Silva Moreira1*,2 Leilson Soares Viana

1 Acadêmica. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga. ORCID: 0009-0007-8529-8799.

2Professor Orientador. Faculdade Dinâmica doo Vale do Piranga. ORCID: 0009-0007-0134-7697.

*Autor correspondente: aninhamalta2017@gmail.com.


Resumo

O presente artigo visa discutir a participação da mulher nos cenários de decisão política do Estado como instrumento de efetivação de um regime democrático, onde se reconheça de forma efetiva a igualdade de gênero e a não discriminação entre homens e mulheres preconizada como direito fundamental garantido pela nossa Constituição Federal de 1988. Em que pese o comando constitucional, na prática, se verifica que a mulher ainda é discriminada no meio político pela sua condição de gênero apesar de já representar a maioria da população brasileira. Para tanto, buscou-se traçar um paralelo histórico sobre as lutas dos movimentos feministas em prol da conquista de direitos e o que ainda podemos avançar para o verdadeiro reconhecimento do papel da mulher no meio político.

Palavras-chave: Mulheres; Participação Política; Igualdade de Gênero; Democracia.


Abstract

The present article aims to discuss women's participation in the political decision-making scenarios of the State as a means of achieving an effective democratic regime, where gender equality and non- discrimination between men and women are effectively recognized as fundamental rights guaranteed by our Federal Constitution of 1988. Despite the constitutional mandate, in practice, it is evident that women are still discriminated against in the political sphere due to their gender, despite already representing the majority of the Brazilian population. Therefore, we sought to draw a historical parallel regarding the struggles of feminist movements in the pursuit of rights and what further advancements we can make towards the true recognition of women's role in the political sphere.

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Keywords: Women; Political Participation; Gender equality; Democracy.

INTRODUÇÃO


A sociedade contemporânea, instituída sob a concepção de um Estado Democrático de Direito tem por princípio assegurar o exercício dos direitos individuais e sociais, entre eles, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos dessa sociedade pluralista, fraterna e sem preconceitos, como prevê a nossa Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A Constituição Federal é a base principal dentro da ordem jurídica do Estado e responsável pela garantia de direitos sociais, conhecido como aqueles essenciais para a promoção do bem-estar e da justiça social assegurados aos cidadãos.

Os direitos sociais são a base, também, para a concretização dos direitos de igualdade política, tema central deste trabalho, que visa estudar a participação das mulheres na política, tendo em vista a desigualdade e violência de gênero que há na sociedade brasileira contemporânea, resultado de uma sociedade patriarcal ainda enraizada nos dias atuais, o que acaba por gerar uma evidente desigualdade de gênero, inclusive no cenário político, o que é vedado pela Carta Constitucional.

Em meio ao desenvolvimento da sociedade, várias conquistas foram consolidadas ao longo do tempo, no que diz respeito à participação da mulher no cenário político, com destaque para a conquista do voto feminino em 24 de fevereiro de 1934, como decorrência do movimento conhecido como “sufragista”, que favoreceu a conquista do voto feminino no Brasil e em várias partes do mundo.

Contudo, apesar dos avanços já acontecidos, a luta das mulheres por igualdade de direitos ainda se faz atual diante da sociedade e isso se reflete nos espaços de poder, tendo em vista que os homens ainda exercem a maioria absoluta dos cargos políticos, apesar das mulheres representarem mais de 53% (cinquenta e três por cento) do eleitorado brasileiro segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (CUNHA, 2022).

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A partir dessa constatação, surgem algumas questões a serem discutidas como por exemplo: por quanto tempo vamos esperar para vivenciar de fato a igualdade de direitos entre homens e mulheres? O que precisa ser feito para que seja realmente garantida a igualdade de gêneros? A lei que garante constitucionalmente a participação da mulher na política nacional é suficiente para que esse direito seja efetivado?

Sendo assim, o intuito do presente trabalho é levantar uma discussão sobre a participação das mulheres nas decisões políticas do Estado, buscando valorizar e estimular a sua participação nos espaços públicos e fazer com que a sociedade possa compreender que elas são capazes de se posicionar e de fazer uma boa gestão quando são eleitas.

Para isso, o presente trabalho tem o objetivo de discutir, analisar e identificar ações governamentais para que mais mulheres possam estar na política em busca da igualdade de gênero, sem sofrer qualquer tipo de violência ou preconceito.

Tendo em vista esses objetivos, vale ressaltar que já há algum tempo, muitos direitos já foram garantidos para as mulheres, porém a democracia e o movimento feminista requerem além de garantia, mais efetividade desses direitos.

Dessa forma, sendo essa uma temática de relevância na atualidade e, baseando num vasto rol de consequências do machismo enraizado na sociedade, sobretudo quando se trata das mulheres na política, a meta é trazer para o presente trabalho, propostas para que o Estado possa estimular e incentivar a participação das mulheres na política como forma de exercício de um direito fundamental à igualdade material de gênero fazendo valer uma representatividade cidadã e democrática dessa faixa da população que já é a maioria da sociedade, mas ainda representada de forma restrita no cenário político.

Essa participação feminina na seara política consistiria numa forma de amadurecimento e consolidação da cidadania e da democracia brasileira frente ao vasto histórico de discriminação vivido pelas mulheres ao longo de muitos anos.


A participação e a representatividade da mulher no cenário político ao longo da história


A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a cidadania, direito esse que garante a participação política e é protegido como cláusula pétrea, no artigo 60, § 4°, inciso II, o qual estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódicos.”(BRASIL, Constituição Federal, 1988).

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Grossmann e Nunes (2014), discorrendo sobre o conceito de cidadania, destacam que sua análise, seja baseada mais na história do que a lógica, referindo-se a uma classificação de Marshall onde ele dividiu o conceito em três elementos, o civil, o político e o social, como apresentado:


O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último direito difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor, dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais (GROSSMANN; NUNES, p. 04, 2014).


É válido ressaltar que a cidadania é baseada nos direitos fundamentais de primeira dimensão (nos quais estão os direitos civis e os políticos) e segunda dimensão, (composto pelos direitos sociais, econômicos e culturais). Essa divisão se dá por meio de um viés histórico, portanto, os direitos de primeira dimensão, de matriz liberal burguesa, surgiram por intermédio da luta do Estado Absolutista e a burguesia, nos séculos XVIII e XIX, que lutavam pela busca dos direitos individuais de liberdade em face a dominação do poder soberano. No que diz respeito ao direito de segunda dimensão, que se baseia na luta pela igualdade, tal fato surgiu após a Revolução Industrial, no século XX, onde o proletariado buscava novos direitos para assegurar a sua dignidade humana, fazendo surgir o Estado Social que objetiva a limitação da autonomia privada em prol do caráter coletivo. Tudo isso se materializa na proteção dos direitos garantidos pela Constituição Federal e como esses direitos vem sendo concretizados pelo Estado.

Convém salientar que a Constituição assume uma função de suma importância, pois desempenha um papel de refletor da sociedade, direcionando os caminhos a serem seguidos pela teia social a partir da consolidação dos direitos nela garantidos.

E é nesse sentido que surge a necessidade de trazer à baila a proteção dos direitos das mulheres no cenário político, cabendo saber como se deu essa evolução ao longo da história e como eles foram se materializando no âmbito jurídico.

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Na origem da regulamentação jurídico-constitucional do Estado brasileiro, na sua primeira Carta Constitucional, de 23 de março de 1824, a denominada Constituição do Império, foi dispensado às mulheres o mesmo tratamento, que tinham durante o Brasil Colônia, ou seja, a atuação das mulheres era restrita no âmbito privado, cuidando da família e exercendo funções

domésticas. Embora os movimentos feministas começassem a aflorar na Europa no século XIX, eles tiveram pouco reflexo em nosso país nessa época (CABRAL, 2016).

A ideia de que a mulher cumpria tarefas domésticas era tão dominante que a Constituição de 1824 sequer se preocupou em negar os seus direitos. Não havia uma exclusão expressa dos direitos políticos das mulheres nessa Constituição, todavia, não houve na época, quem reivindicasse tal atuação política. Às mulheres não eram reconhecidos os direitos de cidadania, por isso elas não podiam votar e nem serem eleitas, nem mesmo exercer cargo nos órgãos públicos, cabendo-lhes, em algumas situações restritas serem ser contratadas por empresas privadas (SÁ, 2017).

Na primeira Constituição brasileira republicana de 1891 não houve menção expressa às mulheres, nem mesmo nas reformas feitas no seu texto ao longo da sua vigência. Neste viés, manteve-se a tendência do período imperial de excluir as mulheres dos direitos políticos e da maioria dos direitos sociais.

Sá (2017), citando Marly A. Cardone, menciona a decisão de um juiz de primeira instância do Estado de São Paulo, no ano de 1922, foi julgado improcedente o pedido de uma mulher interessada em se alistar como eleitora no Estado. Os argumentos utilizados para fundamentar tal decisão era que “não se reconhece ainda, no Brasil, a capacidade social da mulher para o exercício do voto” (SÁ, 2017).

A mudança desse paradigma vem a partir de 1930 quando Vargas deu sinais de que pretendia reformular as leis eleitorais do país, ocasião em que as feministas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e outras entidades políticas compostas por mulheres, decidiram conversar com o presidente, para que, finalmente, o direito ao voto fosse instituído a elas. Ouvindo o apelo das mulheres, sobre essas restrições, o presidente revisou pessoalmente o texto elaborado pela comissão e o decreto do novo Código Eleitoral, publicado em 24 de fevereiro de 1932, acolhendo o voto feminino sem condições excepcionais. Sendo assim, as mulheres poderiam votar e serem votadas (MARQUES, 2019, p. 107-109).

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Dessa maneira, realizou-se em 03 de maio de 1933, as eleições para os representantes na Assembleia Nacional Constituinte. Uma das mulheres que saiu candidata à uma cadeira de deputada na assembleia, foi Bertha Luz. Ela filiou-se ao Partido Autonomista, enquanto as associadas à Federação Brasileira de Progresso Feminino promoviam a sua campanha. Essa federação foi criada pela Bertha com o objetivo de definir suas principais reivindicações, dentre elas: além do voto feminino, instrução da mulher, a proteção às mães e a infância e uma

legislação reguladora do trabalho feminino. Insta salientar que ao todo, sete mulheres candidataram-se à Assembleia Constituinte, todas pelo Distrito Federal, que àquela época ficava no Rio de Janeiro: Leolinda Daltro, Natércia da Silveira, Bertha Lutz, Ilka Labarte, Georgina Azevedo Lima, Tereza Rabelo de Macedo e Julita Soares da Gama. Diante dessas candidatas, Bertha Lutz foi a que recebeu a maior votação, com 16.423 votos. Porém, esse número não foi o suficiente para assegurar uma cadeira na Câmara, ficando na suplência do Partido Autonomista (MARQUES, 2019, p. 109).

A primeira mulher a assumir um cargo político no Brasil foi a médica Carlota Pereira de Queiroz que se elegeu nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1933, pelo Estado de São Paulo, obtendo a terceira maior votação do Estado, na casa dos 176 mil votos, tornando-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Ela ficou conhecida durante o movimento armado da reconstitucionalização do país, que teve início em 09 de julho de 1932, destacando-se como coordenadora do Departamento de Assistência aos Feridos, responsável pela mobilização em favor dos soldados paulistas feridos no front (MARQUES, 2019, p. 117- 123).

Na esteira da garantia desses direitos às mulheres, foi aprovada a Constituição Federal de 1934, reconhecendo a igualdade de gênero e de acesso aos cargos públicos, estabelecendo expressamente em seu artigo 168 que: “Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir”. Neste viés, foi consagrado o princípio da igualdade entre os sexos, proibindo: as diferenças de salários para um mesmo trabalho por motivo de sexo; o trabalho de mulheres em indústrias insalubres; e, a garantia de assistência médica e sanitária às gestantes e descanso antes e depois do parto, por meio da Previdência Social (BRASIL, 1934).

Na sequência da evolução da proteção das mulheres muito pouco foi alterado até o advento da Constituição Federal de 1988. Em nossa atual Constituição (1988), foram várias conquistas, dentre elas está o princípio da isonomia, a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Tanto os homens, quanto as mulheres, são iguais em direitos e obrigações, seja na vida civil, no trabalho e na família.

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Cabe destaca que a consolidação dos direitos constitucionais sobre a igualdade de gênero foi uma consequência direta da atuação dos movimentos feministas. Conforme assevera Leila Linhares Barsted citada por Piovesan (2008) “o movimento feminista brasileiro foi um ator fundamental nesse processo de mudança legislativa e social, denunciando desigualdade,

propondo políticas públicas, atuando junto ao Poder Legislativo e, também, na interpretação da lei” (PIOVESAN, 2008, p. 2-3).

Sendo assim, não é demais destacar a importância dos movimentos feministas no decorrer da história, sendo fundamentais para a consolidação dos direitos e das lutas feministas em que se assegurou a participação da mulher na política, e que garantiu que a conquista desses direitos fosse consolidada a partir da Constituição Federal de 1988, como direitos fundamentais para as mulheres.


A participação das mulheres nas instâncias políticas e nos espaços públicos, preconizada como direito fundamental


A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi um grande marco na afirmação histórica dos direitos humanos no âmbito internacional. Foi um documento elaborado por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, sendo proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, como uma norma a ser alcançada por todos os povos e nações (ONU, 2020).

No Brasil, esse marco foi a Constituição Federal de 1988, que com o processo de redemocratização ajudou a resgatar e protagonizar os direitos fundamentais no Estado brasileiro. A promulgação da Constituição Federal de 1988 ensejou inúmeras conquistas de direitos às mulheres e obrigações correlatas ao Estado, tais como: igualdade na família, direitos trabalhistas, direitos políticos, repúdio a violência doméstica, direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, reconhecimento da união estável, a mulher passou ter o direito ao título de domínio e à concessão de uso de terra, independente do seu estado civil, tanto na área rural quanto na área urbana.

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O êxito obtido pelas mulheres ganhou força no texto constitucional, podendo ser evidenciado em diversos de seus dispositivos, dentro os quais podem-se destacar: o artigo 5°, I: a igualdade entre homens e mulheres em geral; o artigo 7°, XX: proteção especial da mulher no mercado de trabalho. Esse artigo foi regulamentado pela Lei nº 9.799, de 26 de maio de 1999, na qual se insere na Consolidação das Leis de Trabalho as regras de acesso da mulher ao mercado de trabalho.; O artigo 7°, XXX: proíbe a discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil. Esse artigo foi regulamentado pela Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, na qual proíbe a exigência de atestado de gravidez e de esterilização e outras práticas

discriminatórias para fins admissionais e/ou de permanência na relação jurídica de trabalho; o artigo 226 § 3°: reconhecendo a união estável com entidade familiar; o artigo 226 § 7°: fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito; o artigo 226 § 8°: o Estado deve assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das suas relações.

Além desses avanços, cumpre destacar a importância da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido político ou coligação deverá reservar no mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para as candidaturas de cada sexo, garantindo, assim, uma participação efetiva das mulheres na corrida eleitoral. Também é importante destacar a Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que dispõe de forma extraordinária sobre o crime de assédio sexual, prevendo uma pena de detenção, de 01 (um) a 02 (dois) anos, para quem cometer o delito

A respeito das cotas femininas nas disputas eleitorais, constata-se que nas eleições de 1994, sob a égide da legislação anterior às cotas, a porcentagem de mulheres que eram candidatas no Brasil era na casa de 7,18%, enquanto em 2002 após a adoção da lei de cotas essa porcentagem foi elevada para 14,84%, conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dessa forma, cabe destacar a importância da consolidação dessas normas para que as mulheres pudessem ter os seus direitos e garantias fundamentais reconhecidos de forma plena. Contudo, apesar de todas as conquistas femininas até então alcançadas, ainda é recorrente a ideia de exclusão das mulheres da esfera pública, mais precisamente nos cargos políticos, naturalizando a legitimação da política como um “negócio de homens”, sendo esse um pensamento dominado no Brasil e no mundo, por reconhecer no homem o protagonista nos

espaços políticos.

Apesar disso, cumpre destacar o papel da mulher na sociedade, tendo em vista que elas desde sempre exerceram funções importantes e relevantes, seja no cenário social, cultural, religioso, assistencial, mas que não era reconhecido como uma participação política, e por isso a mudança desse paradigma, acontece quando essas mulheres passam a compor os meios político-partidários.

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Destaca-se alguns exemplos de mulheres que, com seu trabalho, transpõem as barreiras da participação social, assistencial, religiosa e empresarial para a esfera política:

Neste viés, destacam-se personalidades como Marielle Franco, que desde antes de exercer um cargo político-partidário, já desempenhava um importante papel social na luta pela proteção dos direitos humanos em sua comunidade, no Morro do Timbau, Complexo da Maré, conjunto formado por dezesseis favelas, no Rio de Janeiro. No ano de 2016 elegeu-se vereadora pela cidade do Rio de Janeiro, carregando como pautas questões ligadas à violência de gênero, à proteção aos direitos reprodutivos das mulheres, sendo uma ativista social de causas ligadas ao preconceito racial, à diversidade sexual e à segurança pública, especialmente nas favelas (SANGER e GRAUBE, 2018, p. 169-171).

Ao falar de liderança feminina no meio empresarial, não há como não lembrar de Luiza Helena Trajano, empresária brasileira que comanda uma das maiores redes de lojas de varejo do mercado brasileiro, o Magazine Luíza, e outras empresas integradas à sua holding. Mesmo não tendo uma atuação direta na política partidária, seu nome constantemente é lembrado para concorrer a cargos políticos dado o seu engajamento, enquanto empresária, nas questões ligadas às políticas públicas do nosso país, inclusive de pautas feministas. Ela preside o Grupo Mulheres do Brasil, criado em 2013 por 40 (quarenta) mulheres de diferentes segmentos com o intuito de engajar a sociedade civil nas conquistas de melhorias para o país (BIAL, 2022, p. 10-14).

Ao tratar de liderança femininas, no meio religioso, destaca-se a Dra. Zilda Arns Neumann. Ela escolheu a medicina como missão e tomou o caminho da saúde pública. Foi médica pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa. Em seu trabalho ela aliava o seu conhecimento científico e à cultura popular, buscando sempre valorizar o papel da mulher pobre na transformação social, mobilizando todos os pobres e os ricos, analfabetos e doutores. No dia em que ela veio a óbito, 12 de janeiro de 2010, no terremoto em que devastou o Haiti, ela discursou sobre a importância de “salvar vidas com medidas simples, educativas e protetivas”. Em sua trajetória ela fez o que sempre falou: “congregar mais pessoas para se unirem na busca de ‘vida em abundância’ para crianças e gestantes pobres” (NEUMANN, 2018). Pelo seu trabalho social e religioso reiteradas vezes foi indicada para assumir funções públicas e políticas.

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O estereótipo de gênero muitas vezes nos leva a não reconhecer nas mulheres uma liderança política, fazendo com que muitas não alcancem cargos políticos relevantes no nosso país, mesmo a nossa legislação reconhecendo a igualdade de gênero como um direito fundamental.

Mas a realidade nos mostra que mesmo não exercendo cargos políticos, as mulheres desempenham um importante papel político na sociedade, a partir das bandeiras defendidas por elas, como nos casos aqui relatados, e como tantos outros existentes no nosso país, que emergem diretamente da experiência pessoal ou profissional, trazendo consigo diferentes visões e percepções de mundo, que poderiam inovar no exercício de cargos políticos.


As estatísticas da representatividade das mulheres e as deficiências do modelo jurídico brasileiroresultados: descrição e análise


Quando falamos em paridade de gênero, nos referimos à igualdade de direitos, responsabilidade e oportunidades de mulheres e homens, bem como das meninas e dos meninos. Podemos perceber que vivemos em uma sociedade bastante desigual, inclusive, quando relaciona-se a desigualdade de gênero e de representação na política.

Conforme estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, baseado no Projeto “Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5” (ODS5) da Organização Nações Unidas (ONU), que fala da Igualdade de Gênero, constitui meta dos Estados vinculados às Nações Unidas a busca por “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, garantindo a sua participação plena e efetiva na sociedade e igualdade nas oportunidades para que haja uma liderança em todos os níveis na tomada de decisões na vida pública, política e econômica (PRADO, BORGES, MACHADO; MARQUES, 2020).

Em consonância a isso no dia 05/04/2022, foi publicada a Emenda Constitucional n° 117, que altera o artigo 17 da Constituição Federal estipulando:

“Altera o art. 17 da Constituição Federal para impor aos partidos políticos a aplicação derecursos do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres,bem como a aplicação de recursos desse fundo e do Fundo Especial de Financiamento deCampanha e a divisão do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão no percentual mínimo de 30% (trinta por cento) para candidaturas femininas” (BRASIL, Senado Federal. Emenda à Constituição n° 117 de 2022).

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Contudo, em que pese o novo comando constitucional, ao fazer uma comparação com outros países da América Latina, em um conjunto de 33 países, o Brasil ocupava a 32ª posição, com 9,9% de parlamentares eleitas, conforme os dados ONU Mulheres de 2017. O Brasil só estava à frente de Belize (3,1%) e muito distante da primeira posição ocupada pela Bolívia, a qual detém 53,1% das mulheres que compõe o parlamento. Na América Latina e no Caribe, a médias da participação das mulheres na política na Câmara dos Deputados ou Câmara Únicas era de 28,8% a média. O Brasil ocupava as últimas posições no ranking mundial Mulheres na

Política, estando posicionado na 154° lugar, levando em consideração 10,7% de participação de mulheres na Câmara e 14,8% no Senado (SIGUENZA, 2017).

Em março de 2019, o Brasil passou a ocupar a 141° lugar do ranking de representação feminina nos parlamentos nacionais, tendo 14,62% de mulheres na Câmara dos Deputados e 13,58% no Senado Federal. Neste viés, apesar de serem 52,68% do eleitorado brasileiro, as mulheres eram apenas 31,8% das candidaturas nas eleições de 2018, das quais metade eram brancas. Mulheres pretas e pardas correspondiam, respectivamente, 13,44% e 34,34%, e as indígenas representava 0,53% do total (NILO, Alessandra. MATTAR, Carolina. CURY, Laura. ANDREIS, Mônica. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para à Agenda de 2030, p. 31).


Figura 1 – Participação das mulheres na política brasileira


Fonte: IBGE, SNIS-MDR.


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Os dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para as eleições de 2022, mostram que as mulheres representam 52% da população brasileira. Em outro extremo, estão representadas apenas em 12% das prefeituras, 15% no Congresso Nacional, 4% nos governos estaduais. Para cada 25 governadores homens eleitos, uma única mulher é eleita. Sendo assim, apesar de serem maioria no eleitorado, as candidatas representam (33,6%), quase metade dos candidatos homens, que representam (66,4%) (BRASIL, 2022).

Figura 2 – Estatísticas da participação feminina enquanto candidatas e eleitas


Fonte: Agência Senado.


Ainda, conforme relata a Senadora Zenaide Maia (2022), baseada nos dados da UIP (União Interparlamentar), organização internacional responsável pela análise dos parlamentos mundiais, em uma base de 193 países, o Brasil ocupa a 144° colocação no ranking da participação feminina em representatividade na política nacional (MAIA, 2022, p. 66).

A presença feminina mais expressiva em fóruns de poder diminuirá a desigualdade de gênero e a diversidade sexual do trabalho quando define-se os papéis sociais, que é culturalmente construído pelo machismo, na qual são reproduzidos nos espaços de poder. A título de exemplo podemos citar que as mulheres até ocupam lugares de destaque nos projetos de relevância social, no entanto, quanto à participação nos debates de cunho econômico, de segurança e também na composição de mesas diretora a participação feminina ainda é muito tímida (MAIA, 2022, p. 67).

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Nas eleições gerais de 2022, o Brasil bateu recorde em candidaturas femininas, com 33,3% dos registros na esfera federal, estadual e distrital. Ainda assim, muito abaixo da representação das mulheres no eleitorado brasileiro, que é de 53%, representando 82 milhões de votantes. Apesar disso, elas ocupam apenas 17,28% das cadeiras no Senado Federal (SOUZA, 2022).

Figura 3 – Participação politica das mulheres e sua efetividade


Fontes: Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara dos Deputados; Pesquisa do Instituto Marielle Franco com 142 candidatas negras de 21 estados, 93 municípios e 16 partidos.


Portanto, é importante ressaltar que a participação das mulheres como candidatas às corridas eleitorais tem crescido nos últimos anos, mas estatisticamente vimos que o número de mulheres eleitas ainda é baixo mesmo representando a maior parte do eleitorado brasileiro, tornando-se necessária uma mudança desse quadro para que a democracia, de fato, se efetive no que diz respeito à igualdade de gênero no cenário político brasileiro.


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Violência política de gênero e a busca pela participação feminina na democracia

A violência política de gênero é caracterizada por todo ou qualquer ato que exclui a mulher no espaço político, impedindo ou restringindo o seu acesso, ou induzindo a tomar decisões contrária à sua vontade. Essa violência pode ocorrer enquanto concorrem, já eleitas e durante o mandato. Sendo assim, essa sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e de decisão, pode acarretar problemas para à democracia (BRASIL, 2022).

Segundo a Cartilha sobre Violência Política e Violência Política contra as mulheres, são vários os tipos de violência, sendo elas: por meio virtual (disseminação de fake news, ataques em suas páginas e deepfakes) e também nas ruas quando são atacadas por eleitores. Cumpre ressaltar que elas podem ser vítimas, tanto pelo partido quanto dentro de casa ou através dos meios de comunicação (BRASIL, 2022).

Podemos ressaltar que a violência política pode ser praticada de diversas formas e por meio de variados comportamentos, como por exemplo:

Violência física: como lesões corporais, prisão arbitrária, tortura, maus-tratos e feminicídio;

Violência sexual: como estupro, contato sexual não consentido, exploração sexual, assédio, registro e divulgação de fatos não autorizados relacionados à vida sexual e afetivada candidata, insinuações, elaboração e divulgação de fotos íntimas ou montagens com conteúdo sexual ou pornográfico, e “cantada” ou convites indesejáveis e atos e falas de natureza sexual que causem constrangimento e que influenciem as aspirações políticas damulher e/ou as condições ou ambiente onde a mulher desenvolve a sua atividade políticae pública;

Violência psicológica: como violência da intimidade, isolamento, ameaça contra a vítima, a membro da família ou pessoa próxima; humilhação e manipulação;

Violência moral: como a injúria (ofensa à dignidade ou decoro), a calúnia (imputação falsa de fato definido como crime) e a difamação (imputação de fato ofensivo à reputação);

Violência econômica: como danos à propriedade, privação de recursos de campanha porrecusa de acesso ou desvio, e a extorsão;

Violência simbólica: como intimidação, silenciamento, desmerecimento, uso de linguagem excludente, restrição do uso de palavras, imposição de tarefas estranhas ao cargo, restrição do acesso à justiça, omissão de informações, questionamentos sobre aparência, roupas, peso, vida pessoal e sexualidade, e ausência de acento próprio no parlamento (BRASIL, 2022).


No âmbito da política, um estudo da Agência Câmara de Notícias, da Câmara dos Deputados (2022), mostra que a violência contra as mulheres pode acontecer ainda sobre as seguintes formas:

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Na condição de candidatas, as ameaças, interrupções, desqualificação, ou seja, indução à crença que a mulher não possui competência para determinada função, violência da sua intimidade, difamação e desvio de recursos de campanhas de candidaturas femininas para as masculinas.


Quando já eleitas, elas são vítimas dessa violência quando: são excluídas dos debates, são constantemente interrompidas no seu lugar de fala, são questionadas sobre sua vida privada, como por exemplo, relacionamentos, sexualidadee maternidade, além de não serem indicadas como titulares das comissões e/ou líderesde seus partidos ou até mesmo relatoras de projetos importantes.


Há também algumas práticas invisíveis, dando-se através da violência emocional por meio de manipulação psicológica, levando a mulher e para todos a sua volta, serem taxadas de loucas e a constante interrupção quando o homem se apropria da ideia de uma mulher e quando os homens explicam coisas simples para as mulheres,como se elas não fossem capazes de entender. (BRASIL, 2022).

A violência política de gênero, por sua vez, é pautada de estigmas de estereótipos de gêneros, podendo focar em padrões sociais discriminatórias, machistas e patriarcais.

Para exemplificar essa situação, pode-se citar o caso do deputado Fernando Cury e a deputada Isa Penna em dezembro de 2020, na Câmara dos Deputados, fato de repercussão nacional e, segundo dados da Tayguara Ribeiro e Carolina Linhares, repórteres de políticas da Folha de São Paulo, o deputado Fernando Cury foi flagrado pelas câmaras da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo apalpando a lateral do corpo da Isa durante a sessão plenária. Neste viés, o deputado recebeu a punição de 180 dias (06 meses) de afastamento, sem direito a remuneração, mas não perdeu o seu mandato. O Ministério Público de São Paulo aceitou a denúncia contra ele por importunação sexual, previsto no artigo 215-A, do Código Penal, estando o processo em fase de julgamento. (RIBEIRO e LINHARES, 2021)

A mulheres são alvos de ataques pelo que supostamente são, ou seja, pelas suas características físicas, intelectuais e morais. Neste viés, as mulheres são entendidas como gênero e não como sexo biológico, a fim de abranger as mulheres transgênero. Insta salientar que parte significativa dessa violência é direcionada para mulheres trans.

Sendo assim, desde 05 de agosto de 2021, a violência política contra a mulher candidata ou detentora do mandato eletivo, inclusive para às mulheres trans, passou a ser definida como crime no Código Eleitoral, incluída pela Lei n° 14.192 de 2021, segundo o artigo 326-B, que dispõe:

Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher:

  1. gestante;

  2. – maior de 60 (sessenta) anos;

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  3. – com deficiência.

Também, no Código Penal, desde 05 de agosto de 2021, passou a ser punível a violência política contra qualquer pessoa:

VIOLÊNCIA POLÍTÍCA

Art. 359-P. Restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual oupsicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça,cor, etnia, religião ou procedência nacional:

Pena: reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.


Há meios para que possamos denunciar essa violência política, como o Ministério Público Federal e o disque 180, onde registra-se as denúncias de violência contra mulher aos órgãos competentes.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criou a Ouvidoria da Mulher, com o objetivo de estabelecer canais de comunicações, para que possa ter um canal de escuta, acolhimento e orientações de pessoas que se sintam vítimas ou tenham informações acerca da violência política ou sobre assédio e discriminação de gênero no âmbito político.

Neste viés, pode-se ressaltar que essa iniciativa busca à conscientização desse tema, visando ainda mais à busca pela participação feminina nos espaços políticos, e a prevenção nos casos de violência principalmente no cenário social e político brasileiro.

Contudo, para que se possa buscar mais efetivação das mulheres na política, cabe mencionar a importância de ações afirmativas para promover maior participação, assim como para combater maior distorções históricas que colocam as mulheres como segundo plano. (LIMA e PORTELA, 2022)

Conforme diz a senadora, Leila Barros, citada por Lima e Portela (2022):

“A mulher tem uma visão mais ampliada da sociedade e é mais afeita ao diálogo, além de ter maior conhecimento de causa sobre pautas femininas como aborto, saúde, assédio, maternidade e igualdade de gênero. Por outro lado, já demonstramos também ter qualificação semelhante à dos homens para ocupar quaisquer funções” (LIMA; PORTELA, 2022).


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Uma importante iniciativa criada para enfrentamento à violência política contra mulher, para as eleições de 2022, foi o II Seminário de Combate à Violência Política contra a Mulher, promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados (ASCOM). O Seminário teve como objetivo incentivar e criar condições para que a mulher possa ter voz ativa, além de estimular o debate sobre a baixa representatividade das mulheres nos espaços de poder, embora sendo maioria na sociedade. Foram convidadas para os debates a autora e relatora do projeto de lei de enfrentamento à violência política contra mulher, deputadas Rosângela Gomes e Ângela

Aminm além de representantes da Ouvidoria da Mulher de Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ouvidoria da Mulher do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o Ministério Público Estadual (MPE). (BRASIL, 2022).

Com isso, pode-se concluir que é de suma importância o debate de assuntos como violência política de gênero e a busca pela participação feminina nos espaços de poder, pois só assim se dará voz a um tema de grande relevância para a sociedade que é a igualdade de gênero como instrumento de efetivação e participação na democracia.


CONCLUSÃO


Conforme estudo apresentado no presente artigo, é fundamental ressaltar a importância da participação da mulher nos espaços políticos como forma de evidenciar a existência de uma democracia representativa e igualitária baseada na não discriminação entre homens e mulheres na tomada das decisões políticas do Estado.

Para que essa participação política se dê de forma efetiva, é de suma importância que o Estado, reconheça a discriminação ainda sofrida pelas mulheres nos cenários políticos e estude meios para que o próprio sistema eleitoral e político-partidário crie alternativas concretas que possibilitem às mulheres condições de igualdade material frente aos homens e de representatividade paritária nos espaços de decisão política.

Neste viés, Cruz (2010) demonstra a ineficiência ainda existente na Democracia Representativa das sociedades atuais, levando em consideração o caráter limitado da sua representatividade, e como se torna urgente reavaliar os atuais modelos da Democracia de modo a atender às demandas mais adequadas e atuais por participação política das mulheres.

Neste aspecto, insta salientar que a globalização nos faz refletir sobre o conceito de Democracia Moderna, tendo em vista questões fundamentais que garantem o seu pleno exercício.

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Mas para além da existência de uma Democracia, é premente que essa Democracia seja de fato participativa e representativa de modo a atender às demandas de todos os atores sociais de forma justa e igualitária, possibilitando, entre outros um efetivo reconhecimento da importância e da necessidade de participação da mulher nos espaços de decisão política do Estado.

Marilena Chauí, referenciada em Streck e Morais (2014), apresenta um estereótipo pragmático do conceito de democracia, entendendo a democracia como “invenção porque, longe de ser mera conservação de direitos, é a criação ininterrupta de novos direitos, a subversão contínua dos estabelecidos, e a reinstituição permanente do social e político” (apud STRECK e MORAIS, 2014, p. 111).

Nesse sentido, entender e lutar pela efetiva participação das mulheres nos espaços de poder e, principalmente na esfera política, é papel fundamental de uma sociedade democrática moderna, pois esses espaços, historicamente, sempre foram ocupados majoritariamente pelos homens, que não desenvolveram ações efetivas voltadas a garantir os direitos das mulheres.

É fundamental, ainda, ressaltar que a representação feminina extraparlamentar foi uma das principais armas para a conquista dos direitos políticos das mulheres, pois muitas das conquistas até então alcançadas se deram por meio de ações participativas mobilizadas em rede pela sociedade, através de ativistas que não detinham cargos eletivos.

De acordo com Tiburi (2017), isso indica uma especialização da mulher em fazer política fora da política. Além disso, ela afirma que a representação das mulheres no parlamento brasileiro é fundamental para a mudança dessa cultura política. A desproporção ainda é expressiva, mesmo as mulheres sendo maioria no eleitorado brasileiro.

Ainda em consonância com Márcia Tiburi:

Muitas pessoas se perguntam por que há tão poucas mulheres ocupando cargos nos espaços de poder em geral. No mundo da iniciativa privada os números não são diferentes. Mulheres trabalham demais, são maioria em algumas profissões, mas ocupam pouquíssimos cargos de poder. Como se fosse um direito natural, o poder é reservado aos homens em todos os níveis enquanto as mulheres sofrem sob estereótipos e idealizações também naturalizados (TIBURI, 2017).


Para que essa disputa política seja desafiadora para as mulheres, em uma sociedade tão machista e patriarcal, há algo estritamente inquietante quando o assunto é poder e violência. Neste viés, explica a, até então, candidata à vereadora Marielle Franco, eleita em 2017 como a quinta mais votada na cidade do Rio de Janeiro e brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, no texto em que escreveu no blog #AgoraÉQueSãoElas:

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A disputa da política é um grande desafio, principalmente para nós mulheres. A lógica machista nos persegue a todo tempo e a sentimos com intensidade, principalmente quandodecidimos ocupar um espaço na institucionalidade política. E o reflexo disso são corriqueiros no cotidiano das nossas campanhas eleitorais, sejam feministas ou não. Imprimir a imagem do nosso rosto em um panfleto é quase um convite ao assédio, que vai desde pedidos de casamento até propostas da troca do voto por um beijo. Tudo com muito humor e sorrisos escancarados, como boa parte da estética do machismo que, na maioria das vezes, acaba em violência, psicológica ou física contra a mulher, e alimenta a cultura do estupro. (FRANCO, Marielle. 2016)

Para que a voz da mulher seja ouvida e que seus direitos e garantias fundamentais sejam respeitados, é importante se eleger mais representantes femininas nos espaços políticos, lugar onde se terá meios para lutar pela igualdade de gênero e demais pautas feministas e, assim, fazer com que projetos de leis sejam discutidos e votados tanto por homens, quanto por mulheres, não somente nos temas relacionados aos direitos das mulheres, mas em pautas econômicas, de saúde, educação, meio ambiente, de pacificação social, e entre outras onde a participação feminina seja indispensável para o efetivo exercício da democracia.

Com objetivo de buscar a efetivação de mais mulheres na política, é importante a realização de debates e/ou seminários sobre essa temática como instrumento de promover conhecimento para que a sociedade possa compreender o quão é necessário falar sobre a importância de votar em mulheres para que possamos preencher ainda mais espaços nas Casas Legislativas e nos órgãos de governo.

É importante, ainda, que o Estado Democrático de Direito, por meio de seus representantes políticos, aprove leis que garantam 50% (cinquenta por cento) de participação para ambos os sexos nas coligações partidárias, tendo critérios rigorosos de fiscalização para que não sejam apresentadas candidatura apenas para fins de composição de chapa. Só assim, poderemos dar efetividade no que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres no campo político.

Por fim, a luta pela igualdade de gênero não é sobre a supremacia de mulheres, mas sim sobre construir uma sociedade justa e inclusiva para todos(as). Insta salientar que, a colaboração de diferentes perspectivas impulsiona a inovação, a criatividade e a tomada de decisões mais assertivas. Por isso, ao promover a equidade, estamos investindo no progresso da sociedade. A política não define gênero, mas sim um lugar que, todas devem ser valorizadas por seu talento e capacidade.


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Declaração de Interesse

Os autores declaram não haver nenhum conflito de interesse


Financiamento

Financiamento próprio


Agradecimentos

Obrigada aos meus pais, irmão, tios(as), primos(as) e aos meus melhores amigos (em especial, Clarissa, Diego, Letícia Silva, Klaryssa, Sarah, Júlia Vitória, Duda, Deborah, Desirrê e Wagner) por todo amor e apoio de sempre.

Obrigada, Gabinete da 1ª Vara Cível, Secretaria da

1ª Vara Criminal e JESP, agradeço também ao Drª Dayse (e Carol), Dr. Bruno Taveira, os estágios moldam a nossa trajetória de maneira significativa.

Obrigada meu caro e ilustre orientador por fazer parte dessa minha jornada acadêmica me aconselhando, ensinando e fazendo com que esse artigo fosse um sucesso. Uma parceria de milhões.

Para todas às mulheres que foram silenciadas, nossa luta é por vocês. Vamos juntas!

Colaboração entre autores

O presente artigo foi escrito por MOREIRA, A.B.S e VIANA, L.S

projetado e concluído no âmbito das às correlatas em Ciências Sociais Aplicadas. Ambos os autores cuidaram da parte dissertativa do artigo.